Esta crônica de hoje é dedicada às crianças de São Paulo e com especialidade às crianças da cidade de Tremembé. E, com mais especialidade ainda, às crianças amigas de Monteiro Lobato, que leem e amam os seus livros e até agora choram a morte do maravilhoso contador de histórias. 

A vocês, meninos, vou contar um caso que sucedeu. Quando Monteiro Lobato morreu houve muitos necrológios nos jornais e no rádio, muitos discursos bonitos e muito luto verdadeiro no coração dos seus leitores e amigos. Pois no meio dessa tristeza, alguém teve uma ideia: “Vamos fazer um monumento a Monteiro Lobato. Uma estátua de bronze que imortalize a sua figura em praça pública”. Muita gente concordou e começou-se a juntar dinheiro para o monumento, dinheiro que todos davam com gosto.

Mas estava-se no meio da coleta, quando de repente se fez ouvir uma voz sensata, uma voz que dizia: “Estátua para Monteiro Lobato? Por quê? Para que os brasileiros se lembrem dele? Mas Monteiro Lobato deixou publicados treze livros para adultos e dezessete livros para crianças: trinta livros que valem mais do que trinta estátuas! Que representa uma estátua na frente de um livro? Quando as estátuas de Camões estiverem todas mutiladas ou desaparecidas, ainda haverá muita gente que saiba de cor os versos dos Lusíadas. Assim com Monteiro Lobato: nem o mármore, nem o bronze hão de durar tanto quanto as suas histórias no coração dos homens e das crianças, que continuarão a se deliciar com elas, geração atrás de geração”. ― E a voz sensata continuou: “Além disso, todos que conhecemos Monteiro Lobato sabemos muito bem que ele não gostaria de se ver em estátua, imóvel no meio da rua, servindo de admiração aos basbaques. Até Emília seria capaz de zombar dele! Lobato era um homem de ação e foi homem de ação até morrer; se querem fazer alguma coisa em homenagem a ele, não transformem bom dinheiro num pedaço morto de bronze que não serve para nada: por que não fazem antes esse dinheiro trabalhar em benefício das crianças pobres do Brasil? Isso sim, seria uma homenagem que agradaria a Lobato”!

Pois a voz sensata foi ouvida e então a “Campanha Pró-Monumento a Monteiro Lobato” transformou-se na “Associação de Puericultura Monteiro Lobato”. E começaram a nascer os postos de puericultura ― devo confessar que infelizmente apenas no estado de São Paulo; o resto dos estados têm andado muito ocupados com outras coisas e ainda não entraram no movimento. Mas esperemos que hão de entrar algum dia; pois não foi só na sua terra que Lobato fez amigos: deixou-os em todo o Brasil. O fato é que o dinheiro que era para ser virado em bronze frio foi se transformando em leite para as criancinhas, em remédios, em tratamento, em roupas e até em brinquedos.

O primeiro posto inaugurado foi o da cidade de Tremembé (onde Monteiro Lobato passara a sua infância) e recebeu o nome de “Posto do Pica-Pau-Amarelo”, em homenagem ao sítio de Dona Benta. Tudo liga especialmente esse posto n° 1 à pessoa do grande morto, não só por ser em Tremembé, como por ser a própria família de Lobato que trabalha dentro dele. A vice-presidente do posto é a sobrinha de Lobato, a escritora Gulnara Lobato de Morais Pereira. Dona Teca, irmã de Lobato, hoje quase que só vive para aquele Pica-Pau-Amarelo, passa dia e noite na máquina de costura, fazendo roupinhas para as crianças que o frequentam. E o netinho de Lobato, Rodrigo, um menino muito bonito e inteligente, que talvez um dia também escreva histórias, igual ao avô, é um dos maiores “acionistas” do posto e trabalha para ele na medida do que pode.

Pois acabo de receber uma carta de dona Gulnara me mandando um S.O.S. O Posto do Pica-Pau-Amarelo está urgentemente precisando de auxílio. É verdade que o governo do estado lhe dá funcionários e alguns recursos. É verdade que a Associação também ajuda, e o próprio posto tem uma “caixinha” mantida com o dinheiro obtido em festinhas de teatro e jogos de futebol, que vai dando para pagar as despesas de leite e farinha para a gurizada. Mas dona Gulnara teve a ideia de distribuir enxovaizinhos às mães pobres que esperam bebê e foi tanta mãe pobre que apareceu precisando do enxoval, que dona Gulnara por mais que se virasse de um lado para o outro, pedisse roupinhas a Deus e todo mundo, não dá conta do que é preciso. Imaginem que neste tempo de frio dona Teca já inventou fazer acolchoados de sacos de farinha de trigo cheios de jornal picado, para dar às crianças em vez de cobertor! Por aí vocês calculam como andam as coisas.

As crianças que amam Lobato, que se deliciam com as aventuras de Narizinho e o resto da turma maluca do Pica-Pau-Amarelo, venham por favor em socorro do posto de puericultura que tem o nome do querido sítio de dona Benta. Venham por favor em socorro das outras crianças que não conhecem Lobato porque não podem comprar nem um casaquinho para vestir no inverno, quanto mais um livro de histórias para ler! Mandem o que puderem, dinheiro, roupinhas, lã, cobertores, talco, sabonete, até um brinquedo usado serve, porque criança pobre também brinca.

Lobato gostava de vocês todos, ricos e pobres, e talvez gostasse ainda mais dos pobres que dos ricos, porque o coração dele era grande demais e não podia tolerar ver uma criança infeliz.

Façam o que puderem, por favor. E se por acaso duvidam da necessidade real que têm da sua ajuda as crianças protegidas pelo Posto do Pica-Pau-Amarelo, peçam a dona Gulnara que conte a vocês a história da mulher que vende traíra e que andava com um menininho no braço, roxo de frio!

Narizinho, se visse aquele menino, dava-lhe até a roupa do corpo; e creio que mesmo a maluca da Emília encheria d’água os olhinhos de conta preta e arrancaria uma palhinha de milho do “paletó” do Visconde, para ajudar a cobrir o guri!

 

Nota: Qualquer remessa deve ser enviada a “Associação de Puericultura Monteiro Lobato” ― “Posto do Pica-Pau-Amarelo”. Aos cuidados de D. Gulnara Lobato de Morais Pereira ― Tremembé. Estado de São Paulo.

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