Ivan Lessa

Ivan Lessa (1935-2012) foi uma espécie de ovelha negra da crônica brasileira. Sem filiação nacional, nem a Antônio Maria, de quem foi, por uns tempos, fiel escudeiro, pode ser comparado, justamente por ser incomparável. Ivan bebeu nos clássicos do humorismo americano – S.J. Perelman, por exemplo –, e um e outro mestre da ironia mais irreverente e ferina consagrado na língua de Groucho Marx. Tinha um pé no surrealismo e os outros dois no escracho e, acreditem, no lirismo. 

Chamava-se, ao todo, Ivan Pinheiro Themudo Lessa. Não era formado em nada, trabalhou por curto tempo em agências de publicidade, ganhou a vida como um saltimbanco do texto. Escrevia sobre qualquer assunto. Paulistano de nascença, era obcecado pela cidade que descobriu ainda na infância e aprendeu a amar de um mirante privilegiado: o inefável Rio de Janeiro dos anos 1940 e 1950, jogando peladas nas areias de Copacabana e convivendo com o chantilly da intelectualidade e da boemia cariocas. 

Embora já tivesse escrito para a revista Senhor e os jornais Diário Carioca e Última Hora, foi no semanário de humor O Pasquim que Ivan desabrochou, fez quase todos os seus gols de placa e descobriu a única glória que realmente eleva e consola: a admiração de seus pares. “Uma lenda viva”, dizia Paulo Francis, seu maior amigo e admirador. Outros tietes: Millôr Fernandes, Jaguar, Luis Fernando Verissimo, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. 

De Londres, sua cidade adotiva desde o final da década de 1960, só se afastou em 1972, quando, atraído por O Pasquim, aqui ficou seis anos, casou e teve uma filha. Sua frenética inventividade invadiu quase todas as páginas do semanário, a começar pela seção de cartas dos leitores, às quais respondia, de forma insultuosa, com o heterônimo de Edélsio Tavares. 

Ainda que se sentisse “uma espécie de desbravador dessa total falta de caráter que é ir embora do país natal”, retornou a Londres em 1978, para retomar seu antigo emprego de redator e locutor da seção brasileira da BBC. Jurou que nunca mais voltaria ao Brasil (ou ao Bananão), como chamava o país natal, promessa que não descumpriu sequer para vir ao enterro do pai, o escritor Orígenes Lessa, em 1986. 

Para espanto geral, abriu uma exceção em 2006, para flanar pelo Rio, ver como a cidade mudara nos 28 anos de sua ausência, e escrever suas impressões para o número de estreia da revista piauí.

Ermitão por temperamento, plugado em livros, CDs, TV, DVDs e na internet, ainda mais caseiro ficou depois que um enfisema obrigou-o a passar 15 horas por dia ligado a um tubo de oxigênio, só desligado definitivamente na tarde de 8 de junho de 2012, quando morreu, aos 77 anos de idade.

Há quem saiba de cor até hoje boa parte dos mordazes aforismos que tornaram legendária a seção “Gip-Gip, Nheco-Nheco”, assinada por Ivan em O Pasquim, de onde, aliás, o cineasta Silvio Tendler extraiu a epígrafe do documentário Os Anos JK: “No Brasil, a cada 15 anos todos esquecem o que aconteceu nos últimos 15 anos” – talvez o mais conciso e engraçado comentário sobre a desmemória nacional. Seus aforismos eram sempre engraçados, mesmo quando tratavam de temas que parecem exigir paletó e gravata. Era ele quem dizia: “O sol nasce para todos. Já o crepúsculo é mais classe média”.

Sérgio Augusto