Antônio Torres

Dono de “pena e estilo sem ferrugem”, nas palavras de Guimarães Rosa, o mineiro Antônio dos Santos Torres (1885-1934) foi implacável crítico da vida carioca na segunda e terceira décadas do século XX.

A verve aguçadíssima somada a talento e cultura fizeram dele autor de registros fundamentais dos costumes da época, sempre com muita graça e inteligência. Espanta que, 100 anos depois, esteja esquecido. 

Ordenado padre em Diamantina, sua cidade de origem, logo descobriu que não tinha vocação para o sacerdócio. Não tardou a se desentender na diocese de sua terra, e em seguida indispôs-se com o cardeal Arcoverde, no Rio de Janeiro. Ao final de cinco anos, deu por terminada a carreira religiosa, iniciada em 1908. 

Por volta de 1915, no Rio, trocara definitivamente a batina pelas letras e integrava a Sociedade Brasileira de Homens de Letras, presidida por ninguém menos que Olavo Bilac. Mas o “desastre irremediável”, como definiu seu fracasso vocacional, certamente contribuiria para a virulência que reponta em sua obra de cronista, iniciada nas páginas da Gazeta de Notícias. No periódico carioca, tornou-se conhecido, em 1916, por meio das “Cartas de João Epíscopo”, espécie de correio literário que utilizava como veículo para se dirigir, de forma desabrida, a personalidades públicas. Subscrevia-se, por exemplo, “com o maior apreço e indisciplina”, em carta ao general Gabino Besouro, ao discordar – e as razões para a contestação são muito saborosas – do uso da barba pelos militares do Exército.  

João Epíscopo foi apenas um dos muitos pseudônimos que adotou nos periódicos do Rio de Janeiro. Escondeu-se ainda sob O Pimentinha, Torreão, Sardinha de Nantes e Padre Torres, para citar alguns. Sendo ele mesmo negro, adotou ainda o pseudônimo de Branco Alvim para escrever no primeiro número da revista Dom Quixote a crônica “A vitória dos mulatos”, em que já observava: “Ainda há no Brasil muita gente que mantém certa prevenção contra os homens de cor”.  

O início de sua carreira diplomática, em 1918, não o afastou da literatura, e em 1920 ele lançou seu primeiro livro de crônicas: Verdades indiscretas. Nesse mesmo ano foi removido para Londres, cidade que detestava, e continuou a cuidar da edição dos 32 textos reunidos em Pasquinadas cariocas, em 1921, que venderia oito mil exemplares. “Nunca destruí nem destruirei coisa nem pessoa alguma no meu país, pela simples razão de que não há construção mais sólida do que uma mediocridade”, escreveu ele no prefácio desse livro em que critica violentamente a vida artística e literária do país, além de atacar a Academia Brasileira de Letras, um de seus alvos constantes.

Quando o movimento modernista estourava, ele publicou outra  coletânea de crônicas, Prós e contras, de 1922, a que se seguiu As razões da inconfidência, de 1925, este com enorme sucesso de vendas: “É bem possível que dentro de poucos anos tenhamos o verbo portugalizar como sinônimo de submeter-se, render-se, anular-se perante o poder mais forte”, escrevia ele, indignado com o jugo imposto ao Brasil por Portugal.  

Cônsul-adjunto em Hamburgo em 1929, no mesmo consulado onde, durante a Segunda Guerra Mundial, Guimarães Rosa e sua mulher, Aracy, dariam passaportes a judeus, o cronista e ex-padre, doente e sempre belicoso, brigou com seus superiores, foi transferido para Berlim, mas voltou para Hamburgo, onde morreu em 17 de julho de 1934. 

De sua obra em circulação, encontra-se, nas livrarias do Rio de Janeiro de hoje, apenas a edição de Antônio Torres, uma antologia, publicada pela editora Topbooks, com excelente organização e estudo introdutório de Raul de Sá Barbosa.

Elvia Bezerra