Afonso Henriques de Lima Barreto (1891-1922) nasceu num 13 de maio, sete anos antes da Abolição da Escravatura no Brasil, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio de Janeiro. O pai, João Henriques, tipógrafo da Imprensa Nacional, e a mãe, Amália Augusta Barreto, eram filhos de escravizados.
Cedo Lima Barreto decidiu que toda sua vida seria dedicada à literatura. A preocupação social, o empenho na defesa dos excluídos da sociedade, a luta contra a desigualdade, contra o racismo, contra agressões a mulheres e contra os desmandos dos governantes, o desejo de dar voz a todos que ainda não podiam falar por si mesmos, na Primeira República do Brasil, se constituíam em missão a ser cumprida por meio da escrita.
Em sua breve vida, Lima Barreto escreveu cinco romances, contos que fazem parte do cânone da literatura brasileira, obras de sátira, a narrativa da experiência de vida em um hospício, o Diário do hospício, e anotações de diário. Desde sua primeira experiência com publicações, ainda como estudante, até o final da vida, nunca deixou de escrever crônicas.
A partir da publicação do romance Recordações do escrivão Isaías Caminha, com críticas ao dono de poderoso jornal Correio da Manhã, foi decretado silêncio completo sobre sua obra. Essa exclusão da grande imprensa, na verdade, terminou por colaborar para que sua vida como cronista fosse completamente independente do poder exercido pelos mandatários. Fez-se crítico de prefeitos e presidentes, intérprete e defensor da sua cidade, imune à frequente cooptação que ocorria com os intelectuais, jornalistas e escritores.
Lima Barreto colaborou, por toda a vida, com o que hoje chamaríamos de “imprensa alternativa” e mesmo quando a presença de suas crônicas se tornou constante em publicações da importância da Careta, ou quando contos e crônicas apareceram na elegante Revista Souza Cruz, continuou enviando textos para as pequenas revistas de oposição ao poder constituído. Em A Voz do Trabalhador, sob pseudônimo, defendeu a Revolução Russa, em A.B.C. escreveu sobre os males da guerra e do nacionalismo, fez a defesa dos anarquistas e atacou a ganância do empresariado paulista.
Foi um homem da cidade, atravessando-a todos os dias para poder falar de “todas as mágoas, todos os sonhos, todas as dores dos brasileiros”. Sua maior inovação como cronista, porém, foi trazer para o cotidiano do Rio de Janeiro a realidade dos subúrbios, a vida dos moradores negros, pardos, pobres, que viviam para além da Central do Brasil.
Nasce Afonso Henriques de Lima Barreto, em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Filho de Amália Augusta Barreto, professora e diretora de escola, e de João Henriques de Lima Barreto, tipógrafo da Imprensa Nacional. Pai e mãe eram filhos de escravizados.
“O que é verdade na raça branca não é extensivo ao resto; eu, mulato ou negro, como queiram, estou condenado a ser sempre tomado por contínuo.”, escreve o autor em Diário íntimo, publicado em 1956.
1887
Morre sua mãe, Amália Augusta Barreto, deixando quatro filhos.
1888
Abolição da escravatura no Brasil. A assinatura da Lei Áurea é comemorada no Largo do Paço, em cerimônia com a presença da Princesa Isabel, e será lembrada na crônica “Maio”, publicada em Gazeta da Tarde, de 4 de maio de 1911:
“Agora mesmo estou a lembrar-me que, em 1888, dias antes da data áurea, meu pai chegou em casa e disse-me: a lei da abolição vai passar no dia de teus anos. E de fato passou; e nós fomos esperar a assinatura no Largo do Paço. [...]
Havia uma imensa multidão ansiosa, com o olhar preso às janelas do velho casarão. Afinal a lei foi assinada e, num segundo, todos aqueles milhares de pessoas o souberam. A princesa veio à janela. Foi uma ovação: palmas, acenos com lenços, vivas.
Fazia sol e o dia estava claro. Jamais, na minha vida, vi tanta alegria. Era geral, era total; e os dias que se seguiram, dias de folgança e satisfação, deram-me uma visão da vida inteiramente festa e harmonia.”
1889
A República é proclamada no Brasil por militares liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca.
1890
João Henriques de Lima Barreto é demitido da Imprensa Nacional em fevereiro. Em março, é nomeado escriturário das Colônias de Alienados, na Ilha do Governador, para onde a família se muda.
1891
Deposto Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto toma o poder. Lima Barreto ingressa como interno no Liceu Popular Niteroiense, colégio particular de qualidade, com ênfase no estudo de línguas, custeado pelo padrinho, o visconde de Ouro Preto.
1893
Estoura a Revolta da Armada, que será pano de fundo do romance Triste fim de Policarpo Quaresma. Estado de sítio no Distrito Federal.
1895 e 1896
Presta exames no Ginásio Nacional (Colégio Pedro II, assim renomeado pela República) e cursa, no Colégio Paula Freitas, estudos preparatórios para a Escola Politécnica.
1897
Aprovado em exame, ingressa na Escola Politécnica, no Largo de São Francisco.
1902
Rodrigues Alves assume o poder. João Henriques enlouquece. A família se muda da Ilha do Governador para o Engenho Novo. Lima Barreto começa a colaborar com crônicas em jornais estudantis. Edita com Bastos Tigre, por breve tempo, o periódico A Quinzena Alegre.
1903
Após ser sucessivamente reprovado em Cálculo e Mecânica, Lima Barreto desiste do curso de Engenharia. Ingressa, por concurso público, como funcionário na Secretaria da Guerra. A família muda-se para o subúrbio de Todos os Santos.
1905
Inicia, como colaborador do Correio da Manhã, a série de reportagens “O subterrâneo do Morro do Castelo”, que não aparecem assinadas.
1907
Em abril, começa a trabalhar na revista Fon-Fon. Cria a revista literária Floreal, que dura apenas quatro números.
1909
Publica, às suas expensas, o romance Recordações do escrivão Isaías Caminha, impresso em Lisboa.
1911
Triste fim de Policarpo Quaresma é publicado em folhetins pelo Jornal do Commercio. Entre 1910 e 1911 escreve seus contos mais importantes.
1912
Publica escritos satíricos e folhetinescos, entre eles As aventuras de Dr. Bogóloff.
É licenciado para tratamento de saúde.
1914
Escreve diariamente para o Correio da Noite. Em agosto é internado pela primeira vez no Hospital Nacional de Alienados, nome que recebeu a partir de 1911, o Hospício Nacional de Alienados, na Praia Vermelha, então chamada Praia da Saudade. Diagnóstico: alcoolismo.
1915
Inicia sua longa colaboração com crônicas para a revista Careta. "Numa e a ninfa" é publicado em folhetins no jornal A Noite, de Irineu Marinho.
1916
Triste fim de Policarpo Quaresma é publicado em livro, também em edição feita em Portugal. Inicia sua colaboração para o semanário oposicionista A.B.C., onde publica seus escritos maximalistas.
1917
Uma série de greves operárias eclode no país. Lima Barreto colabora com publicações anarquistas e defende em seus escritos os trabalhadores. Entrega para publicação Os Bruzundangas, que só sairão em 1922.
1918
É internado no Hospital Central do Exército. Em consequência das sucessivas licenças para tratamento de saúde, é aposentado precocemente do serviço público.
1919
Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá é publicado pela Revista do Brasil, de Monteiro Lobato. No dia de Natal, é recolhido pela polícia, delirante, ao Hospício Nacional. Declara como profissão ser jornalista. Durante essa segunda internação, que vai até 2 de fevereiro, escreve o Diário do hospício.
1920
Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá recebe prêmio da Academia Brasileira de Letras.
Lança Histórias e sonhos, livro de contos.
Volta a escrever regularmente para a revista Careta, o que fará até o fim da vida, e colabora com outras publicações críticas ao governo.
Entrega os originais de Marginália para o editor Schettino.
1921
Candidata-se à Academia Brasileira de Letras, na vaga de João do Rio, mas retira a candidatura. Entrega para edição os originais de Bagatelas, reunião de crônicas revistas pelo autor. Publica na Revista Souza Cruz a conferência “O destino da literatura” e trecho do romance que não concluirá, Cemitério dos vivos.
1922
Entrega ao editor Schettino os originais de Feiras e mafuás. O primeiro capítulo de Clara dos Anjos é publicado na revista Mundo Literário.
No dia 1º de novembro, aos 41 anos, morre em sua casa à rua Major Mascarenhas, 42, em Todos os Santos, de “colapso cardíaco”. No dia seguinte morre o pai do escritor.
1923
O romance Clara dos Anjos é publicado em folhetins na revista Mundo Literário até o ano seguinte. Os Bruzundangas é publicado em livro.
1929
Realiza-se o 1º. Congresso Brasileiro de Eugenia e o pensamento partilhado por diversos intelectuais sobre o ideal de uma “raça superior”, a branca, serve como “base científica” para o racismo. Por toda a década de 30 e a de 40, até o final da Segunda Guerra Mundial, não se fala na obra de Lima Barreto nem de seu autor.
1948
Primeira edição em livro de Clara dos Anjos, pela Editora Mérito.
1952
Francisco de Assis Barbosa publica a importante biografia A vida de Lima Barreto. Durante a pesquisa para elaboração da biografia, resgata num móvel na casa das irmãs do escritor manuscritos de suas obras e escritos inéditos, que o estimulariam a trabalhar incansavelmente na edição definitiva da obra completa do biografado.
1953
Márginália, que reúne crônicas publicadas em jornal, é lançado pela editora Mérito.
1956
São publicados pela Editora Brasiliense os 17 volumes da Obra de Lima Barreto, organizados por Francisco de Assis Barbosa com a colaboração de Antônio Houaiss e M. Cavalcanti Proença.
1982
A escola de samba Unidos da Tijuca desfila no carnaval do Rio de Janeiro com o enredo “Lima Barreto: mulato, pobre, mas livre”, em homenagem ao centenário de nascimento do escritor, transcorrido no ano anterior. Em seu samba-enredo, do compositor Adriano, destacam-se os versos: “Inocente, Barreto não sabia / Que o talento banhado pela cor / Não pisava o chão da Academia”, sobre as reações à sua malograda candidatura à Academia Brasileira de Letras.
1997
O livro O subterrâneo do Morro do Castelo é publicado pela Editora Dantes.
2017
A Escola Politécnica da UFRJ, em cerimônia no mesmo prédio em que Lima Barreto estudou, apresentou desculpas públicas pelo racismo de que o estudante fora vítima.
Apesar de várias reedições de sua obra nos anos 1990, da adaptação de Triste fim de Policarpo Quaresma para o cinema por Paulo Thiago, com o filme "Policarpo Quaresma, herói do Brasil", de 1998, e de importantes montagens teatrais de sua obra a partir de 2000, somente em 2017 Lima Barreto recebe reconhecimento à altura de sua obra. A Festa Literária de Paraty, encontro literário internacional, homenageia o autor e coloca em debate a questão do racismo no Brasil. Nova e ampla biografia feita por Lilia M. Schwarz é publicada: Lima Barreto, triste visionário. Vêm a público estudos e ensaios diversos sobre o escritor.
Lima Barreto firma-se como ícone da luta antirracista no Brasil.
* Beatriz Resende é crítica literária, professora da Faculdade de Letras da UFRJ, pesquisadora do CNPq e da FAPERJ. Estuda e escreve sobre Lima Barreto há quase 30 anos. Ocupa-se também de questões da literatura contemporânea.