Do conhecimento da mulher

 

Fonte: Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria, Civilização Brasileira, 2002, pp. 61-62.  Publicada, originalmente, no jornal Última Hora, de 30/06/1959.

Nunca estive sentado, por mais de duas horas, ao lado de uma mulher, sem que ela me dissesse, num dado momento: "Uff... foi-se o fio da minha meia." Logo, não é a carne que é fraca. São as meias. *A certas moças de hoje, de 19 e 20 anos, se lhes pedirmos, curiosamente, que indiquem três nomes nacionais de sua maior admiração, elas dirão, sem perda de tempo: Baby, Pittigliani e Jorge Guinle. *Se fizermos a mesma pergunta, mas no setor das letras, citarão Jean Pouchard, José Rodolfo Câmara e, hesitando quanto ao terceiro, invocarão Jeff Thomas, na base do "vá lá". *Esse mesmo tipo de moça vive e procede sob o peso de uma constante procura: "ser ou não ser uma boa promoção". Ir a um night-club com Fulano pode não ser divertido, mas, se for uma boa promoção, por que não ir? *As de mais cabeça e mais idade estão, atualmente, preocupadas em escrever um diário de memórias, assim como o de Helena Morley. E não encontram quem lhes diga quão difícil será repetir Helena Morley. Tanto quanto seria difícil repetir Gide ou Sainte-Beuve. *Quando a moda feminina será imaginada e desenhada por mulheres? Os costureiros, nem sempre rigorosamente homens, por mais arte que emprestem às suas criações, deixam em cada modelo, propositadamente, um detalhe negativo de absurdo ou de ridículo. *Quando os cabelos voltarão a ser livres, a ter movimento, a viver, enfim numa cabeça que meneia? Ou melhor, quando será abolido o uso insuportável (para nós homens) do laquê? E por que os cabeleireiros insistem em encobrir a testa das mulheres? Uma fronte descoberta é a beleza da altivez e da personalidade. *Se as mulheres pudessem ver os ares de enlevada posse, no rosto de certos cavalheiros com que estão dançando, exigiriam que a dança fosse praticada olho a olho, como a esgrima e o boxe. Há homens que, ao dançar, fazem olhares sensualíssimos para falar, simplesmente, de alka-seltzer e aspirina. *A mulher será sempre indefensável. O código que rege o seu procedimento de vivência é ingrato e irrecorrível. Se uma mulher começou a namorar alguém, delas dir-se-á sempre: "Fulana não vale nada. Imaginem que está andando com Beltrano." E, de Beltrano, no mesmo caso, cinco minutos depois, ir-se-ão todos os elogios, inclusive o da sua esperteza, por estar saindo com Fulana. *Invente um nome de mulher ou imagine uma mulher absurdamente inabordável. Em seguida, ao seu melhor amigo, pergunte, com ar de prévia aprovação: "Você já teve alguma coisa com Fulana?" Nove entre dez dos seus melhores amigos, em vez de dizer, simplesmente, "nunca", perguntarão, num sorriso repleto de possibilidades: "Quem lhe disse isso?" *A maioria das mulheres se apaixonou, perdidamente, pelo homem amado depois que o contemplou dormindo, horas a fio. Porque um homem dormindo é mais que uma criança ou um lago. *E, para fim de conversa, eu gostaria de dizer a todas as moças belas que conheço: Sejam mais e façam menos. Nas pessoas verdadeiramente bonitas, cada FAZER é uma grave possibilidade de erro. No mais, amai-vos e odiai-me!

antonio-maria