Romance policial de Copacabana

 

Fonte: O jornal de Antônio Maria,Saga, 1968, pp. 57-60.

A baiana atravessou a rua 

Na Hilário de Gouveia, em frente à delegacia do 2º DP, aberto dia e noite, está o bar Pavão Azul. Lá, em homenagem e em respeito à vizinhança, as noites e as madrugadas são vividas na santa paz de Deus. 

Uma das clientes, porém, não acredita em polícia. Uma baiana dos seus 28 anos, filha de santo e boa consumidora de aguardente. Seu nome: Maria Helena dos Santos. Todos os dias, logo após o primeiro copo, inventa um pé de conflito. Na madrugada de anteontem, seus nervos estavam mais sensíveis. Gritou, logo ao entrar:

– Uma cerveja, de qualquer maneira!

Geralmente, quando um freguês pede uma "cerveja de qualquer maneira", os garçons preferem pensar um pouco. Há muitas marcas de cerveja e todas vendidas livremente. Menos esta: "de qualquer maneira". 

A baiana Maria Helena, quando sentiu que estava sendo "cozinhada" atirou um copo no rosto do garçom. Um longo ferimento na testa e dois outros menores, no supercílio e no nariz. 

O transporte de Maria Helena para o xadrez do 2º DP foi rápido e fácil. Teve apenas que atravessar a rua. 

O comissário Raposo mandou autuá-la.

A assinatura perfeita

Um homem escolheu o vestido mais caro da Casa Rose Reine, no Copacabana Palace. Preto bordado a ouro, tamanho 48: 

– É um presente para a minha mulher.

A proprietária da casa de modas, Ana Maria Marques, embrulhou o vestido e, feliz pela venda que acabara de fazer, passou-o às mãos do comprador. Recebeu um cheque (18 mil cruzeiros) contra o Banco Nacional de Minas Gerais. Fez, antes, uma pequena objeção ao cheque, reação que muito amolou o comprador:

– Ora, minha senhora! Fique com o seu vestido porque, até hoje, jamais alguém duvidou da minha assinatura.

Dona Ana Maria Marques pediu desculpas pelas suas desconfianças e entregou o vestido. 

Claro, o cheque não tinha fundos. E mais: a assinatura, até agora, ainda não foi decifrada. Um rabisco qualquer... mas, muito bem feito. Muito parecido com as assinaturas convencionais dos desenhos de Steinberg. 

Não há nada a fazer, minha prezada senhora Ana Maria Marques. Se, num bar ou boate, eu vir uma mulher grande (tamanho 48) com o vestido negro bordado a ouro, telefonarei para a senhora.

A longa história do baiano

O baiano Francisco Alves Gomes, ajudante de pedreiro, depois que ficou sem emprego, arranjou de dormir com o vigia de uma construção, à rua Siqueira Campos. Eram bons amigos. Acontece que o convidaram para uma festa. Um lugar bonito, gente animada, lá em Maria da Graça. Uma vontade enorme de ir, mas, não tinha sapatos. E o pior: como encontrar sapatos para seus pés 45. Mas, a festa ia ser animada. 

O baiano olhou para os pés do vigia. Eram menores que os seus. Perguntou:

– Que número você calça, Osório (nome do vigia)?

– Trinta e nove, quarenta.

O baiano fez as contas. Menos quatro ou cinco números. Quem sabe, encolhendo os dedos? A festa ia ser boa, sim, com uma colher e todo seu espírito de sacrifício, enfiou-se nos sapatos de Osório. Doía um pouco, mas, depois de andar o couro começaria a amansar. No ônibus, descalçou-se e deu uma descansada nos pés, até o Méier. Em Jacarezinho, na hora de descer, repetiu a violência de calçar-se. Havia trazido a colher no bolso, exatamente para isso. 

Todo este romance é apenas o princípio de uma longa história, protagonizada pelo baiano Francisco Alves Gomes, 22 anos de idade, pés 45. Na festa, como bom sambeiro da Bahia, esqueceu que estava em cima de um par de sapatos número 40. Dançou a valer. Voltou de madrugada e Osório estava dormindo. Deixou os sapatos ao lado da cama e foi-se embora. Quando Osório acordou, que é do relógio de pulso? Os sapatos estavam – mas, que é das meias? E o baiano não voltou nunca mais.

No dia seguinte, num botequim, lá estava o baiano. Osório chamou um guarda e mandou prendê-lo. 

Diante do comissário Paulo Cirne, Francisco Alves não deu o menor trabalho. Confessou de saída:

– É, doutor, foi um erro meu. Uma fraqueza. Levei o relógio e o Osório não merecia que eu fizesse isso.

– E o relógio onde está?

– Vendi, no Mangue. Agora ele falou que eu levei as meias. Isso não é verdade, não senhor.

O caso policial continuaria, com a localização do receptador. Francisco Alves foi recolhido ao xadrez. Outra ocorrência ocupou o comissário e uma turma de detetives preparava-se para sair. De repente, grande balbúrdia em um dos xadrezes. Gritos. Pancadaria. O carcereiro veio avisar:

– O pau é em cima do baiano!

Corremos ao xadrez. Lá estava o baiano ensanguentado, com o supercílio rasgado.

– Foi o Pancrácio. Tomou-me dois maços de cigarros e me arrebentou de pancada.

Pancrácio foi tirado do xadrez. Homem grande, moleirão. Gatuno fichado que mora, praticamente, no xadrez do 2º DP. Entre os presos, elegeu-se o "chefe" da rapaziada. Manda nos outros. Toma-lhes o dinheiro e os cigarros. Come-lhes o prato de comida, quando é dia de mais fome. Pancrácio é preto, de cabelos esticados. Lembra muito a figura do cantor Blackout. Por que teria batido no baiano?

– Esse cara, quando entrou no xadrez, pisou no meu travesseiro.

Pancrácio fazia ironia. Preso não tem travesseiro. Dorme em cima do braço. Ao seu lado, o baiano, com o sangue a escorrer pelo peito. Ia ser levado ao pronto-socorro do Lido. Disse para o repórter:

– O senhor está vendo como eu dou azar?

Descalço, os pés enormes e os dedos feridos pelos sapatos de Osório, na noite da festa de Maria da Graça.

A leitora e o marido

LAÍS PIMENTA (GB): "E foi por isso, exclusivamente, por isto, que abandonei o meu marido". O "exclusivamente por isto" a que se refere, Laís, foi o seguinte: o marido chegou em casa, despiu-se completamente, surrou a sogra, o sogro e trancou-se no quarto da empregada, com empregada e tudo, durante 72 horas.

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