Fonte: Vento vadio: as crônicas de Antônio Maria. Pesquisa, organização e introdução de Guilherme Tauil,Todavia, 2021, pp. 296-297. Publicada, originalmente, no jornal Última Hora, de 26/08/1959. E livro Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria, Civilização Brasileira, 2002, pp. 63-64.
Tão bonita à minha frente, acordando tanta coisa neste coração que já fez versos, mas angustiada. Suas mãos, que pousavam sobre a mesa, partindo palitos, rasgando prata de cigarro, fazendo bolinhas de miolo de pão. Cinco minutos depois, a toalha, em seu lugar, parecia um chãozinho de pombal. Olhei-lhe os olhos sabe Deus com que sentimento! E ela talvez também tenha sabido, porque a linguagem de olho, embora só olho entenda, é a mais clara e sincera do corpo humano.
Achava-me diante de mais um caso, claríssimo, de maladie d’amour, cuja sintomatologia está contida em obras de Lupicínio Rodrigues, Charles Aznavour, Herivelto Martins, Marguerite Monnot e Maísa. Essa enfermidade, em casos agudos, requer que o doente seja transportado, sem perda de tempo, a uma cartomante, sempre que possível egípcia. E isso foi feito imediatamente em duas viagens, pois o corpo da paciente viajou de táxi e a alma, um pouco antes, em maca do Serviço Nacional de Mal de Amor. Lá chegando (desculpem a frase feita), foram postas as cartas na mesa e, da intervenção, que durou 20 minutos, resultou um coração repleto de esperanças, com felicidade garantida para, ao menos, 24 horas deste agosto. O trabalho da cartomante foi impecável porque, no primeiro lance, descobriu uma viagem para breve e, no exame do causador daquela crise, revelou que ele a ama, que ele a adora, que ele não a trocaria por nenhuma, mas, por fraqueza, além de não confessar, ainda judia do coração da moça.
Voltamos ao ponta de partida, dessa vez numa viagem só, porque após a cartomancioterapia, dispensa-se a maca do SNMA, podendo corpo e alma viajar no mesmo táxi. A meu lado, ia uma moça de coração leve, em silêncio, mas com um sorriso que devia ser exatamente o de São Francisco de Assis ao relembrar as gracinhas dos seus passarinhos prediletos.