Fonte: Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria, Civilização Brasileira, 2002, pp.75-76.  Publicada, originalmente, no jornal Última Hora, de 1/09/1960.

Chega, aflita, à minha casa, uma mulher que eu nunca vi. Vem aos prantos e continua chorando (após sentar-se), sem que eu saiba de que se trata. Afinal, após boa meia hora, começa a contar. Primeiro, uma porção de tragédias, na infância. Depois, algumas infelicidades, desde o dia em que casou. Finalmente, a tragédia capital. Enamorou-se do rapaz que mora em frente, apaixonou-se por ele e, com o tempo, o marido os viu juntos. 

Situação, na época, da minha lacrimosa visita: o marido a abandonou (questão de honra); o namorado a abandonou (para não enfrentar a ira do marido ultrajado); toda a família (mãe, inclusive) a abandonou, por considerá-la mulher indigna. Pede-me um conselho. Não sei dar conselhos. Nunca os dei, nem a parentes de sangue. Mas a essa mulher, sei lá por que, aconselhei uma hibernoterapia. Vinte e cinco dias de sono, distante de tudo e de todos, como em uma viagem. 

A moça aceita o conselho. Desaparece. Eu me esqueço dela. Ei-la que, hoje, volta à minha casa. Em vez de lágrimas, traz o rosto enxuto e sorridente. Mais repousado e bonito (o rosto), depois do sono. Vem agradecer o bem que lhe fiz. Hibernou durante vinte e cinco dias e, ao voltar, o marido a perdoou. A família (mãe, inclusive) também. 

Pergunto-lhe preocupado: 

― E o namorado, de defronte?

A moça baixa os olhos, preferindo não responder. Insisto. A moça me diz sem vontade: 

― Perdoou, também. Voltou ao que era. 

Agora, a tragédia recomeçará. O marido a verá outra vez com o namorado e a abandonará. O namorado, para não enfrentar a ira do vizinho, a abandonará. A família a abandonará. Minha visita voltará à hibernoterapia, e, ao sair, todos voltarão às boas... É uma história, portanto, que não acabará, nunca mais.

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