Fonte:  coluna "Jornal de Antônio Maria", Última Hora,  de 8/04/1961.

Recebo duas cartas. Dois envelopes. Um grande e outro pequeno. Dentro do pequeno, uma carta que diz exatamente isto:

― “Você é um grande despeitado. De Jânio, de Carlos Lacerda, de Ibrahim, de todos os que vencem na vida. E sua literatura? Por acaso já se leu, algum dia? Não passa de um plagiário. É irritante o cinismo com que imita Carlos Drummond de Andrade. Ninguém conhece melhor que eu a obra do poeta de Itabira. Pois bem, quando você para de insultar as pessoas dignas, descamba para a poesia ― não descamba? Ou, então, investe contra a poesia. Pois bem, aí, descaradamente, entra o plagiário AM, habilíssimo compilador das ideias de Drummond. Vou mandar uma carta ao diretor de UH, explicando melhor o seu caráter e mostrando quanto desagrada aos homens de bem sua presença nesse jornal”.

E segue por aí, a carta do “homem de bem”, falando, de passagem, em minha mãe e terminando com insulto ao meu pai, coitado, morto em 1928, o grande culpado por tudo isto, que sou eu.

Abro o envelope grande. Uma edição da Gazeta de Sergipe (5 de março), onde o cronista Ariosvaldo Figueiredo escreve o seguinte, após inúmeros rapapés:

“Sou, hoje, um dos seus muitos leitores. Ouço o que diz e aprendo também. Talvez o copie sem saber ou imite, embora dizendo que não estou imitando”. Depois: “Falo do cronista Antônio Maria, poeta sem rimas, otimista sem querer, irônico querendo, um vivido que não odeia o viver, um solitário que parece gostar da solidão. E também professor de inquietude e amor à vida. É um cronista que se lê e se gosta. Não há ódio no que diz nem lágrima no que escreve. Se chora, chora por dentro, para ninguém ver. Até nisso, é poeta. Ou tem a sua filosofia. Duvidam? Então, comprem a Última Hora do Rio e marquem encontro com ele. São 10 cruzeiros, apenas. Um pagamento à vista para muitas alegrias a prestações”.

Estas duas opiniões me atrapalharam, completamente. Gosto de, ao menos aos sábados, saber quem sou. Não sei se acredito no “homem de bem” do Estado da Guanabara ou no “homem de mal” de Aracajú, Sergipe. Não sei se sou o copiador de Drummond ou o copiado de Ariosvaldo Figueiredo. O que sei é que o dia está bonito. Lá fora, confundem-se nas árvores, ao sol, folhas e asas, pássaros e flores. Se não fosse esses dois leitores, eu saberia quem era e iria ao banho de mar. Mas, assim, sem saber, é arriscado. Pode um carro me matar e o jornal dará a notícia do atropelamento, a dizer que o corpo, apesar de grande, não foi identificado. Ah, meu pobre corpo! Fique em casa.

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