Uma senhorinha, a que fomos apresentados, dizia-nos que precisaríamos três anos para compreender um pouco de Saint-Germain-des-Prés e sua gente. Achamos esse cálculo bastante otimista. Somos de compreensão bastante vagarosa. Antes de cinco anos, pelo menos, Saint-Germain e seus moradores nos escapariam de todo. Por enquanto, confessamos, nem sabemos bem o que existe para compreender, a não ser os mistérios do indivíduo humano mais ou menos a mesma coisa em toda parte, dentro do mistério maior de uma aglomeração, que vive de um certo modo, e que se plasmou através de solicitações e desilusões diferentes das nossas.

Forçados pela nossa incapacidade psicológica, teríamos que ir por partes, muito lentamente, separando as coisas e os fatos. Poderíamos, por exemplo, começar pela senhorinha, conhecedora de todos os recantos do bairro e de quase todas as pessoas, mas não seríamos capazes de obter muitas conclusões. Ela vive como quase todo mundo aqui, do ar, da primavera, das conversações inteligentes e teatrais que se improvisam em todos os lugares, a propósito de incidentes mínimos. Disse-nos que não gosta da vida e que não crê na Justiça. E é alegre, vibrante, de uma invejável disposição para o riso. Disse-nos que em Paris não há mais espaço para a inteligência e a seriedade. E vive de pintura, de cinema artístico, de ideias.

Começamos muito mal; essa moça não nos leva a coisa alguma. O mistério de Saint Germain continua atrás de seus belos olhos cor de malva, de seus cabelos malcuidados, de seu desinteresse pelas vaidades femininas.

Temos medo das conclusões fáceis que sobem à boca do turista. Por toda parte, há pessoas que explicam perfeitamente os fenômenos coletivos e particulares de Saint-Germain-des-Prés. Mas não conseguem convencer as naturezas desconfiadas. A essas, Saint Germain talvez cause um pouco de mal-estar e de tristeza. É desagradável notar essa grande vitalidade desnorteada que anima a juventude daqui. É penoso encontrar a todo momento pessoas que reproduzem literalmente um verso de Bilac, vivendo sem pão, sem fé, sem lar, sem Deus, sem nada. Nada têm, são indigentes de meios materiais e do que se chama esperança, mas não sugerem a miséria e o desespero, antes parecem rapazes e moças que representem alegremente, num palco, a miséria e o desespero. Saint Germain é uma renúncia. Os que se dispõem a viver aqui aceitam de antemão o fracasso — e talvez encontrem nessa desistência coletiva o estímulo.

Não se pode imaginar o que a vida fará mais tarde dessa gente. Algumas vítimas já existem, podemos ver nas fisionomias magríssimas, nas cores pálidas de muitas faces. Mas o resto, Raimundo Correia, é muito difícil saber, o que se passa através da máscara da face.

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