Fonte: A fina flor de Stanislaw Ponte Preta, Companhia das Letras, 2021, p. 201.
O escritor novo, moderninho, todo bossa-nova, em busca de uma nova maneira de enviar sua mensagem ao leitor, o escritor cheio daquela doença atual de querer complicar o óbvio, sentou à frente de sua máquina de escrever disposto a iniciar um romance que iria revolucionar a técnica literária e o estilo do romance no Brasil.
Colocou um papel branquinho na máquina e respirou profundamente. Sentia-se que o escritor novo estava às margens da criação genial. Sentia-se que aquele era um momento decisivo da história da literatura ocidental, como mais tarde julgaria Otto Maria Carpeaux.
O escritor novo que buscava a suprema originalidade olhou com ar superior para o papel branco à sua frente e começou a escrever: “João atravessou o relvado em direção a Maria, que corria para ele, de braços abertos. Enlaçou-a e disse...”.
Aí o escritor novo parou um instante para pensar. Não lhe vinha de imediato a frase certa, definida, escorreita, que botaria na boca de seu personagem João. Acendeu um cigarro e ficou pensando um pouquinho.
Resolveu não forçar a barra. A inspiração teria que vir espontânea. Levantou-se, foi até a janela, espiou lá embaixo a plebe ignara que passava inocente, sem perceber que ali estava a espiá-la um grande escritor. Ficou ainda um pouquinho a respirar o ar fresco da tarde. Depois voltou à máquina, releu o que escrevera mas não sentiu – mais uma vez – as palavras brotarem em sua mente para chegar ao papel.
O escritor foi até o banheiro, molhou um pouco a fronte com água fria e voltou para sua cadeira. Releu o que escrevera: "João atravessou o relvado em direção a Maria, que corria para ele de braços abertos. Enlaçou-a e disse...".
Aí o escritor parara, sem achar a expressão certa, mas naquele momento ela aflorava no cérebro, felizmente. E o escritor novo, moderninho e preocupado em ser diferente sorriu, para depois escrever:
"Eu te amo."