Nunca me preocupei com a minha aparência física, pois sei que sou maltrapilho de nascença, mesmo quando estou de roupa nova. E tenho tido várias provas disto, sem nunca ter pensado em trocar de alfaiate ou de penteado.
Há pouco tempo, quando tive que ir a 200 médicos, quase todos, com bondade, procuraram descansar-me a respeito da conta. Quando foi preciso internar-me, perguntaram-me sempre se eu podia ou não pagar. É que o estado das minhas roupas era ainda mais grave que o do meu coração.
Uma tarde, em Paris, sentei-me para tomar um copo de vinho e ler os jornais. Daí a pouco ouvi que, na mesa em frente, estavam falando de mim. Interessei-me. Encantei-me. Quem sabe seria um começo e, dali em diante, toda Paris só falaria em mim? Mas não. Quatro ou cinco pessoas que não tinham nada que fazer se distraíam em palpitar sobre quem eu era. Mecânico, pintor, eletricista. Nessa altura, num gesto irrefletido de defesa, procurei melhorar a posição da gravata. Foi pior. Uma das pessoas garantiu que eu era veterinário e duas outras concordaram. Uma, que se tinha mantido calada, achou que um deles devia levantar-se e vir saber de mim, quem e o que, na realidade, era eu. Apostariam cem francos (antigos) cada um.
Tremi. Chamei o garçom a toda pressa. Paguei. Saí correndo. A rua estava fria e eu era livre. Livre, o meu eterno segredo.
Jamais me permitiria a imodéstia de revelar o que, realmente, sou — um santo. Meus olhos são velhos e minha roupa é triste.