Fonte: Vento vadio: as crônicas de Antônio Maria. Pesquisa, organização e introdução de Guilherme Tauil,Todavia, 2021, pp. 415-416. Publicada, originalmente, em O Jornal, de 13/08/1963.

Agosto, famoso pelas suas desditas, está dando para viver. Escrevo no dia em que se completa o primeiro terço do mês e graças a Deus, nada de mau nos aconteceu. Nem a mim, nem a vocês, que eu saiba. Ao contrário, um sol glorioso abriu no céu e, no orfanato, mais felizes que nunca, as crianças estão cantando o seu imponderável "Hava naguila, hava".

Os amigos telefonaram falando de feijoadas, música e bebidas, antes, durante e depois. Que tudo continue assim, para que se quebre, de vez, a funesta tradição de agosto.

Para quem fala a linguagem pura da lógica, sou um supersticioso. Acredito em Deus, nos santos e, particularmente, em são Judas Tadeu, que me deu quase tudo que tenho e nunca me tirou nada. No mais, o número 13, os gatos pretos e o saleiro de mão para mão não me fazem a menor diferença. Acredito, é verdade, na força de certas pessoas. Isto sim. Não são muitas, mas há algumas que, com um simples olhar, derrubam um avião. Sei de um que, na rua onde passa, há sempre um atropelamento ou uma batida de graves consequências. Foi ele o único responsável por todos os prédios que ruíram aqui no Rio, por aquele tremor de terra até hoje sem explicação lógica ou científica.

Mas não há de ser nada. A vida é bonita, aos sábados. Agora mesmo, estamos fazendo as malas para sair do Rio. Ir saindo, sem saber para onde. Botaremos o carro na estrada e iremos em frente. Quem sabe, Juiz de Fora? É possível que cheguemos a Belo Horizonte.

Ficaremos onde houver vontade de ficar. Dormiremos na primeira cidade, onde ninguém nos conheça. Um sono imenso, até me crescerem as barbas, até voltar a juventude. Comeremos de todas as comidas proibidas, as gordas, as salgadas, as venenosas, se nos apetecerem.

Comeremos recostados, no espaldar da cama, com a bandeja nas pernas, achando graça em antigas aflições. Na mente, as ideias rascunhadas ficarão em sossego até segunda-feira, quando voltaremos ao Rio, para nosso encontro obrigatório com os contratempos. Recomeçaremos tudo com coragem, depois com fadiga, por fim com imenso desgosto. Até. A vida é muito desagradável, principalmente aos sábados, quando não se tem mais nada o que fazer.

Mas ainda faltam dois terços de agosto. Que Deus nos ajude a todos! Hoje, por exemplo, é dia 13.

antonio-maria