Fonte: Vento vadio: as crônicas de Antônio Maria.  Pesquisa, organização e introdução de Guilherme Tauil, Todavia, 2021, pp. 137-138. Publicada, originalmente, no jornal O Globo, de 27/07/1955.

Sei que é muito feio a gente não falar inglês, mas os meus conhecimentos da língua de Bing Crosby não vão muito para além do “how are you”. Esta falha não foi, porém, uma razão suficiente para que abrisse mão da viagem a Nova York. Podem ficar certos os poliglotas de que chega a ser fascinante a gente viver num país sem falar e sem entender. Acontecem coisas engraçadíssimas, como aconteceu a Fernando Lobo nessa mesma Nova York que estou deixando agora. Numa cadeira de barbeiro, foi dizer um “Yes” e lhe fizeram um xampu de meia hora e dois quilos de espuma. Algumas vezes, arrumei todas as palavrinhas da frase própria para pedir “Chesterfield”, disse-as bem direitinho e o garçom me trouxe um hambúrguer com salada de batatas.

Eu era um mudo em Nova York. Mas a minha receptividade era maior, no ver e no sentir das coisas e das pessoas. “I am a dumb”, disse um dia, à minha amiga Modena Carol. E ela respondeu: “Sim, mas diz mais que muita gente”.

E assim lá se ia o homem pelas ruas de Nova York. Assim, comprei discos, meias, sapatos, calças e canetas esferográficas. Assim, comi e bebi, à base do “please” e do “I want”. Riram muito de mim, cochicharam sobre mim... Mas, em compensação, no Recife eu vi vender lagartixa, ou melhor, osga de parede, a muito major do Corpo de Fuzileiros Americanos como sendo filhote de crocodilo.

Voo para Ciudad Trujillo, novamente a caminho do Brasil, e não sei quando, como, ou se um dia ainda voltarei aos Estados Unidos. Gostaria de voltar e ver outras cidades. Mas, se foi curto o tempo do meu passeio, não me posso queixar de ter visto poucas coisas. Vi muito, senti mais ainda. E é mais importante aquilo que a gente sente sentado – digamos – numa mesa de bar, do que numa viagem de volta ao mundo, cercado de cicerones por todos os lados. 

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