Fonte: Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria, Civilização Brasileira, 2002, p. 27. Publicada, originalmente, no jornal Última Hora, de 11/06/1960.
Ouça a crônica de Antônio Maria na voz do escritor Guilherme Tauil.
Vem, se quiseres. Bebo álcool e fumo cigarros fortes. Gosto de música sem palavras, no piano de Peffer e no instrumento grave de Mulligan. Gosto das palavras sem música, como se sabia dizer Albert Camus. De dia para dia, mais aquiesço à aridez dos sons.
Vem, se quiseres. Sou irascível, quando trabalho. Digo nomes feios, se me interrompem. Volto bêbedo para casa e não trago mais que a inocência, o cansaço e o hábito dos bêbedos. Tenho todos os defeitos que, nos outros, detesto.
Só uma disposição, em mim, é generosa – a do amor. Se um dia fores minha, ao ter-te, amar-te-ei mais, e mais ainda depois de ter-te. Vestirei o teu corpo com as minhas mãos e algumas vezes fecharei os olhos, para ver-te ainda mais bela. Haverá horas lentas de ciúmes, e um silêncio angustiado sufocará as palavras que nos fariam negociar o perdão. Ah, o martírio dos amantes, que não se acreditam, que não se confiam, que não têm senão um cárcere de medos, onde afogam o sentimento espiritualíssimo da carne.
O corpo é espiritual. O espírito nem sempre.
Vem, se quiseres. Se crês numa alma oculta em minha rudez. Se não professas a abominável esperança do amor eterno. Se acreditas, lucidamente, no "amor até quando"(?)... Se não te amas e se me amas, vem, e aqui te esperam séculos de sede e de dor, sem um momento de paz verdadeira, a não ser aquele, de lassidão, quando, depois de ter-te, amar-te-ei mais ainda...