Crônica mal-humorada

 

Fonte: Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria, Civilização Brasileira, 2002, pp. 55-56. Publicada, originalmente, no jornal Última Hora, de 5/08/1960.

O terceiro uísque. Uma coisa se completa imediatamente, em mim: o bem-estar. O terceiro uísque é o melhor de todos. A meu lado, desde que cheguei, uma senhora fala alto a dizer coisas que, supôs, eu gostaria de ouvir. Ou, ouvindo-as, iria fazer bom juízo a seu respeito. Mais ou menos desesperançada da minha aquiescência, pede-me um cigarro. Dou-lhe um dos meus, fortíssimos, certo do que iria acontecer. Na primeira tragada, tossiu, levou a mão ao peito, tossiu outra vez e disse, na tosse:

− É muito forte.

− Não. A senhora é que é fraca.

Apaga o cigarro, com força, contra o cinzeiro e tira, da bolsa, um dos seus, fraco, de filtro comum. Pede-me que o acenda. Está querendo, como eu esperava, conversa. Pergunta:

− Quem é a nova paixão?

As pessoas mal informadas sobre mim fazem-me sempre essa pergunta, e outra, mais estúpida ainda:

− Por que está tão triste?

Essa pergunta da "nova paixão" deve fazer-se a pessoas tolas, vaidosas, banais e não a mim, que sei, humildemente, o que seja amor, por que se ama e como se ama. A da tristeza não passa de ingênuo começo de conversa, porque as pessoas, de um modo geral, quando se lhes pergunta se estão tristes, ficam muito felizes, lisonjeadas até, e mentem, horas seguidas, sobre uma porção de suas particularidades, ridículas, quase sempre de amor, que, em vez de mágoa, lhes causam imenso prazer íntimo. Não me lembro de ter permanecido triste, publicamente, uma vez sequer. Tristeza é um estado acidental desconcertante, que descompõe o homem moralmente, tanto quanto a braguilha aberta. Sempre que me senti triste, corri para casa e me deitei de bruços sobre minha tristeza. Para escondê-la – a única coisa decente que se deve fazer de uma dor: escondê-la, com o mesmo pudor com que os gatos escondem suas fezes. Logo, em um bar, sempre que pareci triste, estive sério. Mas vivemos em um país onde a única pessoa considerada séria é o Brigadeiro Eduardo Gomes, porque nunca se casou, nunca sorriu e nunca disse nada. Então, uma pessoa, porque está séria e, logicamente, feliz, tem que ouvir sempre a mesma pergunta: "Por que está tão triste?" Ou, então, a variante, mais nefanda: "Já vi você mais feliz." Ahhhh... Viro-me para minha vizinha e digo, sem a menor esperança de que ela, um dia, venha a entender:

− Minha senhora, um dos grandes males da Humanidade é a UDN.

antonio-maria