Fonte: Segunda história da crônica intitulada "Trivial variado", Manchete, 5/10/1968. Publicada, originalmente, na coluna Primeiro Plano, do Diário Carioca, de 27/07/1951, com o título atribuído pela instituição "Passando por 'seu' Lauro..."., com alterações.
Morreu Seu Lauro. Modesto funcionário de um ministério, tinha a mania de ser grande, rico e influente. Referindo-se às coisas que lhe pertenciam, começava por depreciá-las: “Este terno, que, aliás, não custou muito caro...” E dava um preço de casimira inglesa para o brim ordinário.
Tinha imaginação, espírito e ilimitada capacidade para a mentira. A voz era fanhosa e estridente. Sua linguagem, essa era uma deliciosa mistura de deformações prosódicas, pedantismos e gíria. Não falava ato, mas acto, e não ficava nisso, era Nicterói, perfeicto, completo... “Outro dia, indo a Nicterói inspecionar uma glebas de minha propriedade, quando se deu que, evacuando o transporte por barca, resvalou-se por mim a boiada; uma velhota, que se fazia acompanhar por outra não menos idosa, estendeu o indicador, vociferando: Alá o bonde! Com o gesto papalvo, lá se me foram ao chão os preciosos óculos. Interpelei as anciãs na bochecha: Suas velhas bruacas! Pois retrucaram: Seu velho ignorante! Trepliquei: Ignorante uns tomates! Ignorantes são os óculos, que se caíram e se partiram. Na verdade, aliás, não custaram muito caro – novecentos mangos batidos – mas também, suas decrépitas, não foram feitos para serem quebrados assim: alá o bonde!”
Muitas mentiras de seu Lauro o levaram a um tempo heroico e longínquo, quando pertenceu à Marinha de Guerra. Grumete, estava trabalhando no mastro do antigo Minas Gerais, quando, sentindo fome, puxou o fabuloso Patek; o relógio, escapando, caiu no mar. “Não me hesitei. Nessa quadra de minha vida, ainda desconhecia a natação. Dei um salto, aliás magnífico, e mergulhei no Atlântico. Lá no fundo, entre meros imensos, cachalotes e enormes árvores marinhas, vagava o meu Patek. Agarrei-o de um gesto decidido e, enquanto galgava-me para a tona, matutava cá comigo: lá em cima é que vão ser elas. Na superfície do oceano, pus-me a esbravejar com os braços, pra cá, pra lá, e não é, meu velho, que, quando dei por mim, estava a deslizar num crau perfeicto!”
Uma vez foi convidado a retirar-se do cassino da Urca, depois de ter ganho mais de oitenta contos. Na roda, um rapaz que entendia de jogo demonstrou que ele deveria ter ganho mais de cem, de acordo com as paradas descritas. O mentiroso entrava em ira se alguém desconfiasse de sua palavra.
A situação era difícil. Seu Lauro coçou o queixo, mandou o rapaz explicar tudo de novo. Não havia dúvida, ele deveria ter ganho cento e tantos contos. Seu Lauro proferiu um palavrão e resolveu o impasse: “Não é que me roubaram!”