Companhia Industrial e Comercial Brasileira de Produtos Alimentares, 19/06/1969. Foto de Chico Albuquerque./ Acervo Instituto Moreira Salles.
Existe uma pergunta que reverbera em todo balcão de lanchonete: “Do que é esse salgado aqui?”. Nas estufas, há sempre uma variedade de quitutes e salgados para forrar não só os estômagos dos famintos, mas também as laudas dos cronistas, em constante busca de assunto.
No longínquo ano de 1992, quando Itamar Franco assumiu a presidência do país, a imprensa batizou seu governo de República do Pão de Queijo, pelo alto número de mineiros empossados na administração. “Da minha parte gostei dessa alcunha”, escreveu o também mineiro Otto Lara Resende, mas nem por isso nomeado para algum cargo público, pois em Minas o pão de queijo é “uma quitanda especial”, superior. A definição do que ele provoca foge ao dicionário – cumpre sabê-lo “na boca, no remoto paladar, inconsútil”. O gosto, o aroma, a vista, tudo se mistura numa só onda que envolve e impregna, e que “volta sempre, pavloviana”.
É sabido que o pão de queijo definitivo não existe. Uma fornada de Ouro Preto jamais será igual a uma de Diamantina, pois embora a receita seja fácil, as variantes são muitas e diferem nos detalhes. O que acaba definindo a qualidade da iguaria, então, é o tal do jeitinho – “se a mão não é boa, nada feito”. A arte do pão de queijo é Difícil porque simples, concluiu o cronista. Simples porque junta “a suculenta e universal palavra pão” ao mineiro adjunto adnominal “de queijo”. Difícil porque, sendo trivial, os segredos da receita, como a exata pitada de sal e o tempo perfeito de forno, não estão na memória de quem a faz – “estão no sangue, circulam pelo coração”.
Mesmo que massudo, ressecado ou grudento, sempre haveremos de encontrar um pão de queijo com facilidade por aí. Maiores perrengues enfrentou Paulo Mendes Campos em busca de um Bolinho de feijão. Em certa manhã, o cronista andava pelo Rio de Janeiro acompanhado de uma senhora estrangeira e lamentou que não houvesse maneira de saciar seu desejo repentino pela fritura. “Intolerável que uma cidade devore oceanos de peixes, rebanhos de bifes, enxurradas de cereais e hortaliças, sem poder ofertar ao consumidor um pratinho de bolinhos de feijão”, protestou. Mas “What is a bolinho de feijão?”, quis saber a forasteira.
Feito de feijão-fradinho e meio aparentado com o acarajé, “um bolinho de feijão é uma coisa que você come muito na infância, e mais ainda na adolescência, quando descobre a cerveja, e depois fica a procurar, em vão, por todos os cantos do mundo”, respondeu o cronista. É “o que a Gioconda queria quando sorriu”, é quase o que os alemães “chamam de Gesamtkunstwerk, ou seja, uma perfeita e orgânica obra de arte”, é o maná “que este céu agora nos promete, mas não encontraremos jamais!”. “Poor little thing!”, suspirou a estrangeira, já com água na boca.
A única solução era comprar duas passagens de avião com destino a Belo Horizonte, onde os quitutes ainda sobreviviam à era dos enlatados. “Daqui a uma hora de voo e 25 minutos de táxi, eu te apresentarei, mulher, ao bolinho de feijão”, prometeu nosso herói de paladar apurado. Mais dessa saborosa odisseia gastronômica não podemos contar, sob risco de estragar a história que o leitor encontra servida quentinha na dita crônica.
Num botequim, talvez não tão longe do aeroporto em que embarcou Paulo Mendes Campos, um homem maltratado e sujo olhava a vitrine de croquetes. De certa distância, Antônio Maria observava a obstinação do maltrapilho. “Certamente, nem ele, nem eu, nem os croquetes temos o que fazer”, escreveu o cronista depois de vários minutos de inércia. Os croquetes eram muitos, “de variados formatos” e “conteúdos imprevisíveis”, mas todos antigos. Foi a tosse do homem que cortou o silêncio daquela estagnação, e o dono do botequim entendeu o barulho como uma ordem, servindo-lhe meio copo de cachaça. Então o sujeito concluiu um raciocínio que tinha começado apenas em sua cabeça: “... Já que é assim, me dá aquele croquete ali”. Qual? “Aquele azul, que está com uma mosca em cima.”
Ele mastigou O croquete feliz, “como se acabasse de descobrir os primeiros encantos gustativos”. Pagou e foi saindo, vitorioso. Maria não conteve a curiosidade e foi atrás dele. Meio sem jeito, perguntou por que tinha pedido, “com tanta decisão”, o salgado da mosca em cima. Em sua insuspeita sabedoria, o homem respondeu: “Porque mosca conhece croquete. Só pousa no que está melhor”.