Rubem Braga (1913-1990) era um grande apreciador das artes visuais, e não só como crítico, função que teve em vários momentos de sua vida, mas também como praticante. Ele desenhava. Bem. Eram peças simples, sem pretensão, para passar o tempo, relaxar, mas tinham um traço original de quem poderia ir mais longe se não tivesse tantas crônicas para escrever.
Ao contrário de Antônio Maria, que chegou a ilustrar suas crônicas com as caricaturas que produzia, o desenhista Rubem Braga foi doméstico. Desenhava enquanto estava com os amigos, e não se levava a sério nessa atividade. Ao morrer, foram encontrados poucos exemplos dessas obras em suas gavetas. O resto não se deu ao trabalho de guardar.
Eram em geral desenhos a lápis e um dos temas mais constantes de inspiração era a própria figura de Rubem, com seu semblante sempre fechado. Gostava de autorretratos. Num deles, em reprodução perfeita, aparece numa pose típica, jogado numa poltrona, com um dos braços atrás da cabeça e o outro apoiando o rosto. Tratava-se com humor. Num retrato, pôs o rosto dentro de um corpo de anjo e em outro, mostra-se rindo, tapando um dos olhos, como se risse da própria obra. Havia alguma ingenuidade, mas também sofisticação – do mesmo jeito que suas crônicas, falsamente simples.
Rubem Braga era amigo de Di Cavalcanti, Djanira, e usou o nome de Cícero Dias para conseguir uma entrevista com Picasso, em Paris, no início da década de 1950. As portas do ateliê de Picasso abriram-se imediatamente, Rubem fez longa matéria para o Correio da Manhã, mas diante do pintor não bancou o jornalista clássico. Diz que não perguntou nada. Estava mais interessado no que via nas telas espalhadas ao redor pelas paredes e cavaletes.
“Ser jornalista”, explicou depois, “é, sobretudo, fazer perguntas e, na verdade, eu não tinha nenhuma pergunta que lhe pudesse fazer. Estava com os olhos cheios de um desenho fino e exemplar de um homem, mulher e cabrito; via ainda um torso de mulher num vaso verde, um novilho deitado, centauros, caras redondas, formas de vasos, cores de quadros…”.
Em 1953, em um livro de poucas páginas, publicou Três primitivos, uma coletânea de crônicas sobre os pintores, José Antônio da Silva, Heitor dos Prazeres e Cardosinho. Em 2015, foi a vez de Os segredos todos de Djanira, com o subtítulo de & outras crônicas sobre Arte e Artistas. São quase duas centenas de textos de Rubem Braga em 50 anos de atividade. Além de escrever em periódicos especializados, catálogos de galeria, álbuns de artistas, livros de arte, ele também dirigiu galeria, montou exposições, frequentou ateliês e teve farta convivência, além dos artistas, com críticos, como Mário Pedrosa e Sérgio Milliet. Era um homem do meio, mas não deixou sinais de que gostaria de ser um artista como os que apreciava.
A sua famosa cobertura, em Ipanema, tinha as paredes coalhadas de quadros assinados pelos amigos, entre eles um retrato feito por Portinari, peças que aos poucos foram sendo vendidas para pagar dívidas. Rubem nunca emoldurou nada com a sua assinatura. São bonitos os desenhos em que retratou o filho, Roberto, e a mulher, Zora. Também gostava de fotografar, e mais uma vez obtinha resultados acima da média de um amador. Não era só no texto que Rubem demonstrava uma personalidade marcante. Tinha grande imaginação visual também.
* Joaquim Ferreira dos Santos é carioca, jornalista e escreve às segundas-feiras no jornal O Globo. É autor de vários livros, entre eles Feliz 1958, o ano que não devia acabar e as biografias de Leila Diniz (Uma revolução na praia), Antônio Maria (Um homem chamado Maria) e Zózimo Barrozo do Amaral (Enquanto houver champanhe, há esperança). Suas crônicas foram reunidas nos livros Em busca do borogodó perdido, Minhas amigas e O que as mulheres procuram na bolsa.