Tantos Vinicius
Vinicius de Moraes nasceu no dia 19 de outubro de 1913, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Seu pai, Clodoaldo, foi um poeta diletante, sua mãe, Lydia, gostava de receber os amigos em casa para serestas. Com 7 anos, foi morar na Ilha do Governador com a família.
Das praias da Ilha do Governador, entre pescadores, amigos, estrelas e luar, fez seu idílio, a que atribuirá no futuro importância decisiva contra o que chamou de erros de sua formação:
“Minhas curtições de menino — foram dez anos de férias na Ilha do Governador —, criaram em mim um módulo natural de resistência contra os erros da minha formação, que me permitiram, quanto mais adulto, optar por uma simplificação de meu instrumento de trabalho, no sentido de comunicar-se melhor. Realmente, foi a vida quem assim determinou, e eu me limitei a seguir meu instinto que, entre a vida e a arte, está sempre do lado da vida, do lado do ser humano.” (Entrevista a O Globo, 1973.)
Até adquirir consciência disso, porém, viveu na juventude uma crise existencial entre a ideologia cristã aprendida na escola e a liberdade sensual de “menino de ilha”. Seu primeiro livro, O caminho para a distância, é marcado pela tensão entre a delícia do prazer físico e a culpa aí incutida pela moral religiosa. No poema “Mormaço”, por exemplo, escreve:
“Que importa que a imagem do Cristo pregada na parede seja a verdade.../ Eu sinto que a verdade é a grande calma do sono/ Que vem com o cantar longínquo dos galos/ E que me esmaga nos cílios longos beijos luxuriosos…”
No terceiro livro, composto pelo longo poema “Ariana, a mulher”, destrona o Deus distante e faz nascer, como num mito pessoal que lhe aparece em forma de sonho, seu sucedâneo, a mulher: “compreendi que só onde cabia Deus cabia Ariana”.
O desrecalque do corpo vai reorientar a produção artística e a vida de Vinicius, fazendo-o praticamente abandonar a erudição e o ofício solitário da poesia escrita e se dedicar exclusivamente à canção popular, arte, por definição, coletiva e mundana. Tal mudança permitiu que sua poesia, agora transmitida oralmente e veiculada em rádio e televisão, alcançasse o grande público.
Desde 1941, quando passara a escrever críticas de cinema para o periódico A manhã, já gozava de um poder mais amplo de comunicação com as pessoas do que a literatura podia lhe proporcionar. O trabalho na imprensa, que vai atravessar toda sua vida, estava de tal forma integrado à produção artística que, segundo o amigo Otto Lara Resende, “foi o cronista quem melhor deixou notícia do universo do poeta”. As crônicas de Vinicius versam sobre temas variados: cinema, canção, literatura, memórias, política, fatos sociais; e, como bom exemplar do gênero, sobre observações ordinárias da vida cotidiana.
Para viver um grande amor, de 1962, é o livro em que o artista joga luz sobre temas recorrentes de sua poética, alternando verso e prosa em fluxo único. Quatro anos mais tarde, em Para uma menina com uma flor, reuniu textos publicados na imprensa entre 1941 e 1953.
Antes, em 1946, a temporada que passou com a família em Los Angeles, onde ocupou seu primeiro posto diplomático, foi decisiva para os novos rumos que iria tomar sua vida. Ali, frequentou clubes de jazz e conheceu músicos como Louis Armstrong, Duke Ellington, Sarah Vaughan, Dizzy Gillespie, entre outros; inscreveu-se em um curso de música na Universidade da Califórnia, no qual ouviu mestres da música erudita europeia. Foi também nessa época que passou a assistir aulas de cinema ministradas por Gregg Toland e Orson Welles, de quem se tornou amigo pessoal.
De volta a seu país, Vinicius se aproxima da canção popular brasileira. A peça Orfeu da Conceição foi um divisor de águas em sua carreira. Ao adaptar o mito grego de Orfeu para as favelas do Rio e à procura de alguém que pudesse compor com ele as canções do espetáculo, conheceu Tom Jobim. A montagem, que estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro com um elenco de atrizes e atores negros, foi um grande sucesso. A parceria com Tom também marca o início da bossa-nova.
Na década de 1960, se viu cercado por jovens autores, como Edu Lobo e Chico Buarque, expoentes de uma nova geração que ganhava projeção nos Festivais da Canção, e dos quais se tornou parceiro e amigo. Em 1962, conheceu Baden Powell, violonista de apenas 25 anos, com quem comporá parte expressiva de sua obra, o conjunto de canções conhecido como afrossambas.
A partir da década de 1970, pai de quatro filhas e um filho, entrando em seu sétimo casamento e exonerado do Itamaraty, consolida a parceria com Toquinho, jovem violonista e compositor com quem passou a fazer dezenas de apresentações no Circuito Universitário.
Na água morna da banheira de sua casa, onde dizia se sentir de volta ao útero, Vinicius morreu, em julho de 1980. Passados mais de 40 anos de sua morte, encontramos rastros de sua presença na lírica amorosa e no cancioneiro popular do século XX. Em depoimentos de amigos e familiares sabe-se, como única certeza, que amou e foi amado, em relação franca e desassombrada com a vida e seus afetos.
Bruno Cosentino
1913
1916
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1941
“Vou ao cinema da mesma forma que ando, como, respiro e durmo. Tenho com a imagem cinematográfica uma velha familiaridade, que me assegura direitos inalienáveis.”
(Diretrizes, 03/09/1945)
1942
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1950
"Nos entendíamos e amávamos mudamente, meu pai e eu."
(“O dia do meu pai”, crônica escrita e publicada em 1959).
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1976
1977
1978
1980
* Katya de Moraes, responsável por esta cronologia, é bibliotecária do Departamento de Literatura do Instituto Moreira Salles.