Rachel de Queiroz (1910-2003) não completara vinte anos quando publicou o romance O Quinze e entrou de vez para a história dos grandes da literatura brasileira. Ainda assim, diria, no futuro: “Eu não sou uma romancista nata. Os meus romances é que foram maneiras de eu exercitar meu ofício, o jornalismo”.
De fato, antes mesmo do romance de estreia, a mocinha de 17 anos, nascida em Fortaleza e logo transplantada para a Fazenda do Junco, no município de Quixadá, abandonou o sertão para colaborar no jornal O Ceará. Os primeiríssimos textos já revelam a graça, o tratamento do fait-divers próprio da crônica, gênero que cultivaria durante toda a sua longa vida.
Contrariamente à produção das jovens que iniciavam a carreira ancoradas nos floreios típicos da época, Rachel tratava de temas sociais em prosa vigorosa e enxuta. Forjava-se aí a cronista que, moradora do Rio de Janeiro a partir de 1939, daria início, em 1945, à publicação de uma crônica semanal na lendária "Última Página" da revista O Cruzeiro. Seriam trinta anos ininterruptos de fidelidade ao periódico que, naquele ano, despejava tiragem de 100 mil exemplares Brasil afora.
Declarando-se “franco-atiradora de espingardinha na mão”, preservou a liberdade de escrever onde bem quis e como quis. Abandonou o Partido Comunista em 1932, quando o comitê quis censurar seu segundo romance, João Miguel, que ela publicaria naquele mesmo ano. A este seguiram-se outros, entremeados de três peças de teatro e até mesmo alguns poemas de época remota que o IMS lançaria em edição fac-similar, no centenário de nascimento da escritora, em 2010.
Rachel não exagerou ao declarar que era "jornalista acima de tudo" Estivesse na fazenda Não me Deixes, terra que herdou do pai no mesmo sertão de Quixadá, ou na Europa, com Oyama de Macedo, o segundo marido, sua crônica chegava à redação de O Cruzeiro ou dos jornais em que colaborava. Em 1958 pôde publicar seleção feita por ela mesma em 100 crônicas escolhidas, depois lançada com o título Uma rede, um alpendre, um açude.
Em artigo intitulado "Raízes e flores", que integra a coletânea que a homenageou nos seus oitenta anos, em 1990, Otto Lara Resende lembrou a filiação de Rachel ao partido comunista na década de 1930 e apoio ao regime militar em 1964: “Nunca foi ovelha de rebanho. Se acertou o passo com a tropa, empurrada pelo atávico e juvenil idealismo, também saiu da forma na hora que achou que era preciso seguir em frente, só ou até mal acompanhada".