Gente muito misturada etc. É assim que os habitantes dos bairros menos precários e instáveis costumavam falar mal de nosso Catete. Mas uma coisa ninguém pode negar: nós, do Catete, somos verdadeiros gentlemen. O cavalheirismo do bairro se manifestou naquele instante de maneira esplendente quando a senhora dona Rosalina deu por encerrado, com um ríspido palavrão, o seu comício.
Em face daquelas mocinhas expulsas do lar e que soluçavam com amargura houve um belo movimento de solidariedade. Um cavalheiro – o precursor – aproximou-se de Marina e sugeriu que em sua pensão, na rua Buarque de Macedo, havia dois quartos vagos, e que elas não teriam de pensar no pagamento da quinzena. Um segundo a esse tempo sitiava Dorinha, propondo chamar um táxi e levá-la para seu apartamento, onde ela descansaria, precisava descansar, estava muito nervosa. A ideia do táxi revoltou alguns presentes, que ofereceram bons carros particulares.
De todos os lados apareceram os mais bondosos homens – funcionários, militares, estudantes, médicos, bacharéis, engenheiros-sanitários, jornalistas, comerciários, seminaristas e atletas – fazendo os mais tocantes oferecimentos.
Um bacharel pela Faculdade de Niterói (então denominada “a Teixeirinha”), que morava na própria pensão de dona Rosalina e que havia três meses não podia pagar o quarto, ofereceu-se, não obstante, para levar os dois canários para São Paulo, onde pretendia possuir um palacete. Ouvindo isso, um estudante de medicina que se sustentava a médias no Lamas tomou coragem e propôs conduzi-las para o Uruguai. Seria difícil averiguar porque ele escolheu o Uruguai; naturalmente era um rapaz pobre, com o inevitável complexo de inferioridade: ao pensar em estrangeiro não tinha coragem de pensar em país maior ou mais distante.
Em certo momento um caixeirinho do armazém disse que as moças poderiam ir morar com sua prima, em Botafogo. Essa ideia brilhante de oferecer uma proteção feminina venceu em toda a linha. Um jovem oficial de gabinete do ministro da Agricultura sugeriu que elas fossem para casa de sua irmã. Um doutorando indicou a residência de sua irmã casada e um tenente culminou com um gesto largo, ofertando-lhes a proteção de sua própria mãe, dele. A luta chegou a tal ponto que um bancário, intrépido, ofereceu três mães, à escolha. Em alguns minutos as infelizes mocinhas tinham à sua disposição cerca de 15 primas, 23 irmãs solteiras, quatro tias muito religiosas, 41 irmãs casadas e 83 mães.
O mais comovente era ver como todos aqueles bons homens procuravam passar a mão pela cabeça das mocinhas e lhes dirigir as palavras mais cheias de ternura e bondade cristã. Trêmulas e nervosas, Marina e Dorinha hesitavam. De qualquer modo a situação havia de ser resolvida. O cavalheiro que tinha conseguido parar o carro em local mais estratégico começou a empurrar docemente as moças para dentro dele, entre alguns protestos da assistência. Vários outros choferes pretenderam inutilmente fazer valer seus direitos – e até o motorista da Limpeza Pública quis à viva força conduzi-las para a boleia do grande caminhão coletor de lixo.
Foi então que, subitamente, dona Rosalina irrompeu de novo escada abaixo; desceu feito uma fúria, abriu caminho na massa compacta e agarrou as filhas pelos braços, gritando: “Passem já para dentro! Já para dentro, suas desavergonhadas!”
Eis o motivo pelo qual eu sempre digo: não há nada, neste mundo, como o coração de mãe.