Fonte: Antônio Torres: uma antologia. Rio de Janeiro, Topbooks, 2002, pp.149-150

O que mais nos deve aterrar no país, como fenômeno social, é a falta de sinceridade. Cada um, na classe a que pertence, pode verificar facilmente até que ponto chega a falsidade, a dobrez entre nós. Pelo que se passa na classe dos escrevedores, imagino o que irá por outras bandas. Quem tiver um pouco de perspicácia poderá, pela simples leitura dos jornais, avaliar o quantum de falsidade entra nos elogios que se tributam a certos livros. Quando, ao abrirmos pela manhã um jornal, encontramos um artigo vastamente elogioso a qualquer livro, antes de tudo indaguemos: “Que posição social tem o autor deste livro?” Veremos que, em 99 casos sobre 100, o autor é da casa civil da presidência (ou parente de alguém da casa civil); é o oficial de gabinete de algum ministro; filho de algum senador, diplomata ou deputado; genro, irmão, ou cunhado de algum alto dignitário do Regime que nos felicita. Ou então será fatalmente mulher... Fora desses casos, são muito elogiados também os livros de médicos ilustres. Geralmente os médicos escrevem mal, da mesma sorte que os escritores não sabem curar. Isso, porém, pouco importa. É livro de médico? Elogia-se, ainda que o livro seja um tecido de logogrifos e enigmas pitorescos.... Assim se explica que a Academia de Letras se encha de médicos, enquanto homens como Farias Brito, em vez de estudar a lógica de Stuart Mill e a ética de Spinoza, se tivesse procurado ser apaniguado de qualquer ministro, todos os prelos teriam gemido cada vez que aparecesse um livro seu. Com lógica e ética não se apanham elogios da imprensa, senão com empregos, dinheiro e às vezes com simples promessas e esperanças...

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