Fonte: Com vocês, Antônio Maria, Paz e Terra, 1994. Publicada, originalmente, em O Jornal, de 3/07/1963.

Ouça a crônica de Antônio Maria na voz do cantor e compositor Bruno Cosentino.

Eu nunca tinha visto Carlos Drummond de Andrade. Eu o amava, mas nunca o tinha visto. Meus amigos, todos eles já o tinham visto e alguns eram seus amigos. Uma vez lhe telefonei pedindo licença para musicar uns versos seus; licença que ele me deu correndo, encurtando a conversa. Depois, quando estive mais doente, lendo seu livro A bolsa & a vida, porque suas crônicas me fizeram prazer ou, simplesmente, porque eu estava doente, mandei-lhe um bilhete contendo meu carinho, onde, é bem possível, havia, houvesse – discretamente, disfarçadamente – as minhas despedidas. Sei lá, tudo o que eu dizia naqueles tempos era adeus.

Mas domingo, de tarde, eu passava por Ipanema, quando vi Carlos Drummond de Andrade! Ia pela calçada da praia, andava, parava, andava de novo, com uma pressa enorme de não sair do lugar. Parei meu carro, apeei-me e caminhei até ele, estendendo-lhe a mão.

– Eu sou Antônio Maria e tinha uma vontade enorme de conhecê-lo... (fui por aí, feliz e humildemente).

O poeta, como todos os homens decentes, ficou muito encabulado. Mas eu entendo como é aflitivo conhecer mais uma pessoa. Ser conhecido por mais uma pessoa. A vida tem um dia em que a gente diz: “Chega, vou parar aqui. Mesmo que seja no prejuízo”. E não compra o segundo ‘cacife’. Ademais, a minha humildade era ameaçadora. Drummond tinha todo o direito de imaginar: Ihhh!... esse homem é capaz de se meter em minha casa. Quem sabe, um dia irá me telefonar, ihhh!...

A minha presença é, em si, desagradável. Eu seria, pela aparência, o homem que se meteria em casa de Drummond e lhe perguntaria com a mais ingênua agressividade:

– Drummond, entre Verlaine e Rimbaud?

Ou então:

– Drummond, você não acha que o Vinicius de Moraes já foi mais Vinicius de Moraes?

E, quem sabe, eu perguntasse:

– E se você fosse à Lua e pudesse levar três pessoas, que pessoas você escolheria? Olha, família não vale, Drummond!

O poeta Drummond é o homem que se porta com perfeição no primeiro encontro. Timidamente, com aquela cara de quem deseja, com toda razão, que seja o primeiro e último. Drummond, como toda pessoa psicologicamente equilibrada, acha que todo primeiro encontro deveria ser o último.

Que maravilha haver ainda gente que se dê ao respeito! Não sei de ninguém que se dê tanto ao respeito quanto Carlos Drummond de Andrade! Com a mulher, os filhos, os netos, pode (e deve) ser um tarado. Mas as outras pessoas, os intrusos, os aparteadores de suas caminhadas pela praia, com esses, todo retraimento é pouco.

Quanto a mim, poeta, ganhei meu dia. A frase tem que ser esta, desculpe. Ganhei meu dia. Tome um abraço.

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