Fonte: Toda crônica. Organização e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p. 202. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 24/07/1920 e, posteriormente, no livro Vida urbana. São Paulo, Brasiliense, 1956, p. 235. 

Como o doutor Peixoto Fortuna, o tal da Liga contra a Moralidade, eu me interesso muito pelas modas femininas. Não deixo nunca de ler os seus preceitos nas seções especiais dos jornais; e, embora não sejam propriamente femininas, eu gozei a declaração providencial de que, na sua recepção última, as mulheres deviam aparecer lá de fraque e calça de fantasia.

Quero crer que esse negócio de calça de fantasia seja assim um negócio de “diabinho” ou de bebê chorão, a não ser que seja de clown.

Em todo caso, os costumes republicanos estão admitindo tanta coisa nova que tudo é possível acontecer.

Vejam os senhores, por exemplo, essas damas que encontro pelos bondes... Em vão tento namorá-las! Andam elas com uns chapéus de oleado de fazer medo a qualquer bombeiro em momento de ataque ao fogo; entretanto, elas vão bonitinhas, contentinhas de fazer um homem como eu, péssimo namorador, ficar embasbacado.

É possível que essas moças se julguem interessantes com semelhante cobertura? Não creio. Contudo elas vão alegres e satisfeitas. Como admitir uma cousa e outra?

Não sei.

Há ainda mais histórias extraordinárias nessa matéria de vestuário feminino. Algumas senhoras decotam-se abundantemente para passear na Rua do Ouvidor e na Avenida. Os dias agora são frios e úmidos; e elas, por precaução, trazem um cobertor de peles.

Não seria melhor que elas não se decotassem e deixassem em casa o sobretudo de peles?

Não tenho nenhuma autoridade no assunto; mas logo que encontrar o visconde de Afrânio Peixoto, hei de pedir-lhe a sua abalizada opinião, porquanto é ele entendido em negócio de história das religiões, que muito se relaciona com o capítulo modas, chapéus, etc, etc.

lima-barreto