Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p. 15. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 13/09/1919 e, posteriormente, no livro Vida urbana. São Paulo, Brasiliense, 1956, p. 176.
De uns anos a esta parte, eu não vejo a Avenida nem a Rua do Ouvidor com os olhos de cinco anos para trás. De forma que, sendo assim, não faço reparo nos “almofadinhas”, “melindrosas”, “entupidinhas” e outras criaturas que tanto preocupam os nossos estetas de cinema.
Contudo, leio-lhes as crônicas e fico admirado com o desvelo que têm em tratar dessas cousas de vestuário das moças com ares de que está lançando a excomunhão maior com auxílio da fatal Grécia.
Quando menino, conheci até a anquinha, o tundá; e todos falavam mal dela ou dele, como imoral; entretanto, não deixava o tal adorno ver descoberta nenhuma parte do corpo. Ao contrário. Vieram o droit-devant, a jupe-culotte e outras norteações da alma feminina e todos teimaram em encontrar nesses vestuários das damas provas de impudicícia, de despudor e outras cousas correlatas.
Eu não sei quando eles têm razão, se é quando estimam as mulheres ultradecotadas nos grandes bailes e teatros, ou se é quando acham isto indecente no meio da rua.
Devia-se remediar essas discrepâncias e discordâncias de modo que não fôssemos apelar para o duvidoso critério das propensões dos gregos que não o tinham firme, tanto assim que há estátuas de deuses e heróis deles que possuem até nove cabeças e outras nem oito.
A minha ideia era nomear uma comissão que estabelecesse a base de um projeto sobre os comprimentos dos saiotes e dos decotes, fixando o que podia ser visto ou não.
Nessa comissão entrariam sacerdotes e sacerdotisas de todas as religiões, inclusive a de Vênus, estetas acadêmicos ou não, membros da Liga pela Moralidade, da Defesa Nacional e Nacionalista e, mais ainda, alguns negociantes de fazendas, fitas e bugigangas.
Cada um estudaria a questão no seu ponto de vista e todos apresentariam um trabalho completo ao Parlamento Nacional.
O que era difícil era eles se entenderem, mas isso é lá com eles, que devem esforçar-se para tal conseguir, no objetivo da felicidade do país.
Não há uma comissão de inquérito na Câmara para o estudo da questão social que até agora tem dado os melhores resultados? Por que a Comissão de Modas Femininas não virá a dar também?
Tão momentoso assunto deve interessar deveras todos os bons brasileiros, por estar ele causando as mais terríveis inquietações ao bom povo de Minas, Goiás, Paraíba, inclusive Cascadura.
Tudo encarece e fica pela hora da morte; mas toda a nossa gente brasileira tem as vistas voltadas para as coisas do Rio, da Avenida; e é preciso atendê-la quanto antes.