Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. I, p. 181. Publicada, originalmente, no periódico Correio da Noite, de 13/03/1915 e, posteriormente, no livro Vida urbana. São Paulo, Brasiliense, 1956, p. 93.

Disse anteontem alguma coisa sobre a instrução e não me julgo satisfeito.

O governo do Brasil, tanto imperial como republicano, tem sido madrasta a esse respeito.

No que toca à instrução primária generalizada, coisa em que não tenho fé alguma, toda a gente sabe o que tem sido.

No tocante à instrução secundária, limitaram-se os governos a criar liceus nas capitais e aqui, no Rio, o Colégio Pedro II e o Militar. Todos eles são instituições fechadas, requisitando para a matrícula de alunos nos mesmos exigências tais que, se fosse no tempo de Luís XV, Napoleão não se teria feito na Escola Real de Brienne.

Ambos, e, sobretudo, o Colégio Militar, custam os olhos da cara, e o dinheiro gasto com eles dava para mais três ou quatro colégios de instrução secundária neste distrito.

Acresce ainda que o governo sempre se esqueceu o dever de dar instrução secundária às moças.

É um esquecimento de lamentar, porquanto toda a gente sabe de que forma a influência de uma educação superior da mulher iria influir nas gerações.

Toda a instrução secundária das moças está limitada à Escola Normal, também estabelecimento fechado em que se entra com as maiores dificuldades.

Se há alguma coisa a fazer em instrução que não seja a de fabricar doutores, é extinguir todos os colégios militares e o Pedro II, criando por todo o Rio de Janeiro liceus, ao jeito dos franceses, para moças e rapazes, de forma que os favores do Estado alcancem todos.

Os colégios militares são sobremodo um atentado ao nosso regímen democrático; é preciso extingui-los e aproveitar os respectivos professores e material na instrução da maioria.

Pelo menos, a República devia fazer isso.

lima-barreto