Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p. 29. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 4/10/1919.

Das coisas elegantes que as elegâncias cariocas podem fornecer ao observador imparcial, não há nenhuma tão interessante como uma partida de football.

É um espetáculo da maior delicadeza em que a alta e a baixa sociedade cariocas revelam a sua cultura e educação.

Num círculo romano, com imperadores, retiários, vestais e outros sacerdotes e sacerdotisas, não se poderiam presenciar aspectos tão interessantes, cousas tão inéditas como nas nossas arenas de jogo dos pontapés na bola.

Os gladiadores eram raramente homens de grande beleza física e muito menos intelectual; os nossos jogadores de football, porém, são excelentes modelos, em que o crânio alongado e pontiagudo dá um remate de beleza aos seus membros inferiores que muito lembram certos ancestrais do homem.

O senhor Coelho Neto, a quem muito admiro, já fez a apologia desses Apolos, com a força de sua erudição em cousas gregas.

Não há, portanto, nos nossos hábitos, fato mais agradável do que assistir uma partida de bolapé.

As senhoras que assistem merecem então todo o nosso respeito. Elas se entusiasmam de tal modo que esquecem todas as conveniências. São as chamadas “torcedoras” e o que é mais apreciável nelas é o vocabulário. Rico no calão, veemente e colorido, o seu fraseado só pede meças ao dos humildes carroceiros do cais do porto.

Poderia dar alguns exemplos, mas tinha que os dar em sânscrito. Em português ou mesmo em latim, eles desafiariam a honestidade: e é, por um, que me abstenho de toda e qualquer citação elucidativa.

O que há, porém, de mais interessante nessas festanças esportivas, é o final. Sendo um divertimento ou passatempo, elas acabam sempre em rolo e barulho.

Por tal preço, não vale a pena a gente divertir-se.

É o que me parece.

lima-barreto