Fonte: Os olhos dourados do ódio, José Álvaro Editor, 1960, pp. 67-69. Publicada, originalmente, no Caderno B, coluna "O homem e a fábula", do Jornal do Brasil, de 25/10/1961.

Depois do almoço, a sesta; depois da sesta, a preguiça crepuscular. Mocinhas douradas passeiam ao longo do oceano. Crianças ganham balões coloridos, comem pipocas, tomam sorvete. Uns pescam nas pedras; outros namoram nos bancos, olhando o mar. Uma gaivota cor de tempestade fuzila sobre a elegante onda; fica longamente desaparecida; então se ergue e se alça, e fica planando solitária; estrebucha no seu bico o peixe nele atravessado como o punhal na boca do pirata. 

Ninguém faz nada. O domingo à tarde já terminou, e ainda não começou o domingo à noite. Os rádios estão ligados, as janelas estão abertas, os automóveis circulam sem destino. Nas praças onde as amendoeiras deixam cair folhas de cobre, as babás, que hoje não trabalham, namoram os nordestinos da construção civil. Esses homens são franzinos e jovens; alguns, quando sorriem, mostram um dente de ouro. Estão muito bem penteados e com sapatos muito bem engraxados. As babás, por sua vez, foram ao cabelereiro e esticaram os cabelos; delas se desprende um odor de sabonete. Respiram suavemente e quase não gesticulam, evitando suar nas axilas. Quando os seus namorados ficam em silêncio, elas pensam naquelas praias onde há coqueiros; aquelas redondas praças ornadas de palmeiras, onde o domingo não vale nada se não há refresco de groselha. 

De apartamentos obscurecidos emana uma tosse que revolve profundamente os brônquios. São os bêbados acordando de seu pesado sono. Acordam e tossem desesperadamente e depois bebem água gelada ― uma concessão à quietude do anoitecer. Coitados dos bêbados! Domingo é para eles o dia de não ir à praia. Nos dias úteis, não têm problemas pela manhã; mas domingo, tão logo acordam, pensam satisfeitos que o mar está lá fora sob o sol, e se levantam felizes. Vestem seus shorts, calçam suas sandálias e vão para a praia. Antes, porém, tomemos umas e outras naquele botequim, enquanto se contempla o mar pela janela. E assim o dia passa e os bêbados esquecem; jamais conseguirão atravessar os dez metros de asfalto que os separa da areia. Observam pela janela a chegada de alguns amigos e interrogam: 

― Que tal está a água? 

― Uma pedra de gelo! 

Isto satisfaz plenamente os nossos amáveis borrachos. Não se deve mergulhar numa água tão fria. Faz mal à saúde; melhor teria sido ir à sauna. Enfim, pedra de gelo lembra uísque: mas o uísque está muito caro. Então eles pedem chope e um cálice de conhaque. Domingo que vem, todos os bêbados irão à praia, porém hoje há bandeiras vermelhas indicando mar perigoso. 

A lua se levanta longamente no horizonte. O céu está tão claro que as estrelas quase não aparecem. As senhoras muito idosas para esperar qualquer coisa dos domingos; essas gordas e joviais criaturas de coques tão brancos que ficaram louros; cujos netos estão namorando, jogando biriba, tomando sorvete ― fruindo enfim o crepúsculo de outubro; as vovós, cujos olhos ficaram muito grandes devido às lentes dos óculos, estão sozinhas nas pequenas salas penumbrosas, com a manta às costas apesar do calor, e fazem crochê. “Não se incomodem comigo. Divirtam-se. O domingo é para os jovens” ― assim falou cada uma, pela milésima vez, à família que não queria deixá-la sozinha. E agora ei-las secretamente irmanadas na solidão crepuscular. Quando os jovens dizem: ― hoje é domingo, elas pensam: Aqueles domingos eram domingos.... Estão felizes à sua maneira, as brasas se reacendem em seus corações.

jose-carlos-oliveira