Fonte: O saltimbanco azul. Rio de Janeiro, L&PM editores, 1979, pp. 181-182.

Querida rainha:

Bem sei que vossa majestade não tem muito tempo para conversar fiado. Eu também, se fosse rainha, dedicaria os meus dias às mais diversas tarefas, tais como: andar de carruagem para lá e para cá; visitar as antigas colônias; pronunciar a fala do trono; passar em revista aqueles soldadinhos que caem desmaiados; torcer para o príncipe Philip quando ele joga tênis; além de cuidar das crianças, Anne e Charles — que aliás já estão bem crescidos e, segundo me informaram, são muito educados.

Vossa majestade vai me desculpar, portanto, este bilhete que pretendo breve e que, estou certo, terá agradável repercussão no Palácio de Buckingham. Sou um cidadão brasileiro sem muita eira nem muita beira; tive na adolescência uma violenta paixão pela França, até que a jovem Inglaterra se atravessou no meu caminho. Agora, a minha anglofilia é um fato notório — e nesse amor desmedido, com o devido respeito, incluo vossa majestade e toda vossa ilustre família. Essas referências me autorizam, creio eu, a dizer hoje com açúcar e com afeto: Obrigado, rainha! Obrigado pela Georgiana!

Ela é a filha do embaixador de vossa majestade, sir John, e de sua gentil esposa, lady Russell. Mas não é simplesmente uma garota bonita, e sim a expressão viva daquilo que há de belo, juvenil, gaio e livre na Grã-Bretanha de hoje. Olha, majestade: eu agora só leio as colunas sociais para ver o que anda fazendo a Georgiana. Ela faz sucesso em toda parte. Nas recepções da embaixada inglesa, os convidados chegam e vão logo perguntando: “Cadê a Georgiana”? Por que ela é o centro dos acontecimentos, a suma do que hoje é britânico. Outro dia, um jornalista amigo meu foi entrevistar o pai dela. Quando voltou, perguntei: “Então? Confere”? Ele respondeu: “Acima e além do que a gente imagina. Ela, pessoalmente é ainda mais sensacional do que nas fotos”.

Pois bem, um dia abro a Manchete e que vejo? Minha querida rainha, eis o que eu vi, em foto colorida, página inteira: sir John em pé, discreto e distinto; lady Russell ao piano, tocando certamente Penny Lane, de Lennon-MacCartney; e sobre o piano, sentadinha ― mini-sentada, aliás ― a divina Georgiana dedilhava um violão. Recortei a fotografia, emoldurei-a, e agora ela está em meu escritório, entre um retrato do velho Winston e uma bandeira da nação que vossa majestade bem sabe qual é.

Foi quando me ocorreu que a Grã-Bretanha havia nomeado, para representá-la no Brasil, não propriamente um embaixador, mas um embaixador que é pai de uma filha cujo sorriso e gentileza bastariam para neutralizar qualquer dificuldade surgida, no terreno diplomático, entre os dois países. Era mais um golpe de gênio de vossa majestade, mais uma prova do discernimento demonstrado ao condecorar os Beatles e Mary Quant. Georgiana tomou conta do Rio de Janeiro, sua graça se irradia pela cidade, o mundo ficou melhor depois de Georgiana.

Obrigado, pois, Elizabeth! E God save the Queen!

P.S. ― Diga a Margareth que tenho dois álbuns de fotos feitas pelo Tony Armstrong. São trabalhos muito bons. E queira recomendar-me ao príncipe Philip.

jose-carlos-oliveira