Fonte: A revolução das bonecas, Sabiá, 1967, pp. 148-149.

A mulher que me espera é doce e digna, ela me espera. Ela me espera com os meus filhos dentro da barriga. Ela é a árvore com dois frutos, cuja primavera está à minha espera. O verdadeiro amor é quando o marido pródigo regressa. 

Estou farto de mulheres; nos braços da mulher que me espera descansarei de todas elas. Estou farto de andar com os meus amigos, andarilhos como eu, à cata de aventuras e de mulheres. A mulher que me espera será o meu companheiro, nessa viagem parada que se chama amor. 

Ela é doce, digna e tem mãos longas. São essas mãos que me esperam. Contra ela eu pratiquei adultério com a minha liberdade. A liberdade é uma fêmea angustiada, ela nunca dorme com o homem que a ama. Porém a mulher que me espera está solidamente à minha espera, ela se sabe mais aprazível do que a liberdade. Vou com uma aliança de ouro e prenderei o dedo anelar esquerdo da mulher que me espera. E desatarei os filhos meus, que ela guarda na barriga. 

Tantas mulheres encontrei pelo caminho e, no entanto, uma delas me espera. Somente nos de uma delas eu li a grave canção da espera. Ela nunca me acompanhou em pensamento; ao contrário, sempre ficou parada à minha espera. E eu andava à procura das mulheres que fogem e dos sonhos que, como torrões de açúcar, estão sempre adiante dos cavalos. Eu me embriagava com os meus sucessivos aniquilamentos; cada vez mais longe da mulher que me espera... 

Ela tem um corpo sólido como a sua espera; dois olhos que, gravemente, contemplam a infeliz parábola das estrelas que se extinguem. Oh! A festiva agonia das estrelas cadentes! Num céu assustadoramente gótico elas riscam o seu pálido esplendor. Assim ia eu, rolando entre constelações indiferentes, eu que era o mais orgulhoso dos homens. Eu que não admitia a realidade de uma espera, e que me queria órfão dos filhos que me esperam na barriga da mulher que me espera. 

jose-carlos-oliveira