Fonte: A revolução das bonecas.. Rio de Janeiro, Sabiá, 1967, pp. 151-152.

Um dia sem jornais é como um domingo chuvoso. Há tempo para tudo, mas a chuva estraga. Há tempo ao longo da rua, tempo de telefone e presença, mas falta a profundidade de um sol. Em que mundo estamos? Não sabemos. Uma bomba pode ter modificado o mapa da Ásia. E não sabemos. Falta-me um terremoto sem grandes consequências ali no Alasca ou mais ao norte. Coleciono fugitivos de Berlim Oriental; mas hoje a minha coleção está desfalcada. Preciso tomar conta do mundo, preciso estar em contato, preciso acompanhar Ira de Fürstenberg, Brigitte Bardot e Pelé pelas estradas da atualidade. Sou amigo íntimo dos satélites artificiais. Nada acontece dentro ou fora deles que não me seja imediatamente comunicado. E também acompanho desde o embrião as novas armas que tentarão, com estrondo, raptar a paz que está nas mãos dos nossos inimigos. Em São Domingos morro e não me avisam: o rádio grita informações sintéticas, mas eu quero detalhes. Quero saber com quantos furos na blusa me derrubaram. Quero saber se alguma esquiva amada me chora ou se a polícia política conhece a minha ficha. Quero ver a radiofoto. Quero estudar palavra a palavra as declarações do Papa, a fim de me livrar das interpretações oportunistas. Arre! Que fome de dados! E que hábil pescador de emoções, aventura que os computadores eletrônicos desconhecem! O meu domingo é pobre, chove no mar, e os cinemas só exibem filmes que já vimos. 

Como estará a coisa là bas? Quantos morreram no último desastre da Leopoldina? Quantas crianças foram raptadas ontem? Pois o Rio de Janeiro é o único lugar do mundo em que o sequestro de crianças não passa de rotina. Então é preciso ler o jornal, a informação seca: duas colunas, nenhum destaque especial. Acompanhamos o acontecimento e estudamos a maneira como é noticiado. Desastre ferroviário e sequestro, assalto à mão armada e atropelamento fatal são informações banais. Como se a morte dos homens e o desamparo das crianças obedecessem a uma ordem burocrática. Em breve as calamidades serão publicadas no Diário Oficial. E ninguém tomará conhecimento, como é normal. 

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