Fonte: A revolução das bonecas, Sabiá, 1967, pp. 142-144. Publicada, originalmente, no Caderno B, coluna "O homem e a fábula", do Jornal do Brasil, de 12/08/1964.

Segunda-feira saboreávamos um vinho e falávamos sobre a solidão das mulheres no ocidente. Havia pouca gente na varanda cujo toldo o vento fustigava. Um casal, alguns rapazes de comportamento sexual duvidoso, o meu amigo e eu. Estávamos ali, assim, como tantas vezes, em tantos bares, quando chegaram os investigadores. Ou detetives? Tiras, enfim. Todos com cara de tira e roupa de tira e sapatos de tira. Entraram e cercaram a mesa onde estavam os quatro rapazes de olhos de mel. Os quatro se levantaram e os tiras (que também eram quatro) revistaram os afeminados. Depois veio a nossa vez: aproximou-se o tira magro (magro como só um tira sabe ser) e disse ao meu amigo: “Por favor, posso revistá-lo”?

— Mas, meu caro — respondeu ele —, basta olhar para a minha cara para ver que não sou um meliante. 

O tira não sorriu, não disse mais nada. Ficou esperando, tranquilo, que o meu amigo se levantasse. Quando o viu de pé, procurou as famosas armas em seus bolsos. Procurou, inclusive, nos bolsinhos e nas bainhas. Não encontrando nada, pediu-me a mim que me erguesse por minha vez. Obedeci. Ele meteu a mão no bolso interno do meu anorak, que comprei em Paris por um preço alucinante, e apanhou a caixa de fósforos que sempre trago ali. É uma caixa sem fósforo. O tira abriu-a e viu lá dentro, o meu besouro de estimação. 

— Que negócio é esse? — Perguntou ele. 

— Oh! — Exclamei. — Um besouro. 

— E que faz você com um besouro dentro de uma caixa de fósforos, às 10 horas da noite? 

— Esse besouro, meu senhor, veio vindo no vento, bateu na minha testa e caiu em decúbito dorsal no solo do meu país. Apanhei-o e, como estivesse morto, dei-lhe uma tumba condigna. A caixa sem fósforos. Ali vive ele — ou melhor, ali morre ele há dias, o besouro, sem zumbido, seco. É, meu chapa. Creio que não há nenhuma lei proibindo alguém de guardar um besouro dentro de uma caixa sem fósforos, ou há? 

O meu discurso não produziu o menor resultado, isto é, o tira continuou imperturbável a contemplar aquela joia que é um besouro morto. Notando o seu interesse, perguntei-lhe se também colecionava, como era o meu caso, toda espécie de bicho voador, incluindo baratas. Desde criança tenho um museu desse tipo. Ele não respondeu. Fechou a caixa sem fósforos e me devolveu o que de fato me pertencia. Pediu meus documentos. Dei-lhe o meu passaporte. Ele examinou longamente o meu retrato, porém não opinou se lhe agradava ou não. Simplesmente olhou, olhou, depois devolveu. Disse boa noite e foi revistar a mulher e o homem que estavam na mesa ao lado. Depois, com seus companheiros de investigação, partiu para outros bares. 

Pobres tiras! Vocês não entendem nada de besouros! Aquele que estava na caixa de fósforos finge de morto quando vê a polícia. Quando a polícia vai embora, ele ressuscita e continua a zumbir as suas fórmulas revolucionárias. Trata-se de um besouro comunista. 

jose-carlos-oliveira