Fonte:  A revolução das bonecas, Sabiá, 1967, pp. 118-120. Publicada, originalmente, no Jornal do Brasil, de 7/09/1965.

Tenho uma amiga que decidiu ser mãe solteira. É maior de idade e estava apaixonada por um homem. Esperou o casamento e nada. (Isto é, esperou que ele se desquitasse para depois irem viver juntos, como está na moda atualmente). Mas o homem, nada. E quando ela compreendeu que aquela aventura terminaria, decidiu que, pelo menos, guardaria dele um filho. Ela é independente e não tem problemas financeiros; e queria um filho cujo pai fosse aquele homem, e não outro. Então, ei-la grávida.

Pouco a pouco, com dificuldade e susto, me habituo a essa ideia de que as mulheres são independentes. Levei anos sofrendo por causa desse susto. O problema era substituir os padrões morais da província pela condescendência (ou generosidade) da metrópole. Eu era um ciumento feroz e exigia exclusividade em tudo. Quando a minha amada olhava para um homem, era como se eu estivesse perdendo sangue. E quando finalmente tudo terminou (sem que, ai de mim, nada tivesse terminado no meu coração), viajei sem paz, bebi, mordi os dedos. Ainda hoje, depois de tantos novos amores e outros tantos deslumbramentos e aflições, há em mim uma fidelidade tácita, e ainda me sinto ligado a ela. É pura metafísica, o meu amor. (De qualquer modo, Freud sustenta que para o homem normal o verdadeiro amor será sempre o primeiro.)

Agora vejo essas moças que não precisam dos homens para sobreviver, e que não se preocupam com o julgamento alheio. Vejo essas outras que passam pelos meus dias e que, mais tarde, se vão (ou eu me vou) sem grandes dramas. O amor ganha uma nova fisionomia: começa pela amizade e se prolonga além da separação. Romeu e Julieta no século XX são vistos juntos, no Castelinho, depois que o tédio, e não as suas respectivas famílias, os separou. Já que a maior fonte de sofrimento espiritual é a certeza de que as coisas terminam, eles começam melancolicamente enlaçados, fruindo um do outro aquele momento de intensidade e de paz, mas sem qualquer ilusão.

Lá vai a moça com o filho no ventre, sem aliança no anular esquerdo, sorridente e serenada. Lá vai ela com o seu melhor amigo — aquele que compreendeu a sua liberdade. Mas eu ainda tenho alguns restos de espanto e, como o velho Conde de uma narrativa escandinava, abro a minha janela sobre as Constelações e me ponho a meditar sobre a complexidade do Universo.

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