Fonte: Os olhos dourados do ódio. José Alvaro Editor, 1962. Publicada, originalmente, no Caderno B,  do Jornal do Brasil, de 5/12/1961.

§ Proíbem-se as reclamações contra a chuva: incentivam-se as manifestações de simpatia.

§ Os profetas estão convocados para antecipar o tempo mais civilizado: como há jogos de verão, inverno e primavera, haverá festividades ao ar livre sob aguaceiros.

§ Recomendam-se barulhos abafados e cores rumorejantes; que as mulheres circulem algo empalidecidas; que a existência transcorra sussurrante, esmaecida e nostálgica de acordo com o ritual imposto pela mais bem-vinda, a chuva, a redentora.

§ No quarto das crianças a lâmpada deve ficar apagada; a iluminação virá pela vidraça: luz branca; os guris e gurias devem esmagar o nariz no vidro para ver a chuva.

§ Espatifaram-se nos jardins os frascos de perfumes das flores. A moça cativa do amor está convidada a ostentar nos cabelos uma flor molhada e cheirosa.

§ Nas casas mais requintadas haverá uma goteira. Recomenda-se o recolhimento das gotas numa bacia, a qual deve ser periodicamente esvaziada para que o volume da água não prejudique o monótono “plic” da lágrima no alumínio.

§ Quem for enfermiço não deve sair de casa. Fica bem a qualquer pessoa tossir e assoar o nariz enquanto chove lá fora; porém se considera grave delito o fato de alguém sair com a garganta previamente enrouquecida para depois denunciar a chuva. A chuva limpa a respiração da terra, das árvores e dos homens; vale por um passeio entre eucaliptos; resfriados, gripes, bronquites e demais desastres respiratórios não lhe devem ser atribuídos.

§ Que as mulheres dispensem pintura e cabelereiro. Se chove, nossa amada deve surgir com os cabelos molhados e o rosto lavado. Recomendam-se igualmente as sandálias abertas que possam ocasionar pés molhadinhos. Não te esqueças, querida, do carinho com que envolverei teus pés numa toalha felpuda, quando chegares querendo café bem quente e um cálice de conhaque.

§ O cardápio da chuva consiste principalmente em alface, tomate, frutas. Coisas cruas, vindas diretamente da terra para a mesa.

§ Pessoas solitárias devem caminhar longamente sem guarda-chuva ou capa. A chuva é excelente companheira: acaricia o rosto, passa seus longos dedos nos cabelos, e canta uma canção que diz: “Daqui a pouco o Sol, as cores, os vegetais explodirão numa festa úmida. Que teu coração não fique insensível à convalescença geral”.

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