Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 18-19/02/1968.
O Otto é sempre igual a ele mesmo. Você passa meses sem vê-lo, e quando o reencontra lá está o velho Otto, igualzinho a si mesmo. É por isso que estamos todos com ciúme dos lisboetas; esses gajos vão ter o Otto só para eles por longo tempo. Muitas vezes, quando estou deprimido, penso na rua Peri, onde mora o Otto, e digo: “Bem, lá está o Otto!” Vejo na minha imaginação o Otto Lara lendo um livro de Georges Bernanos, e fico satisfeito com a Cidade e o Mundo.
Quando estão na mesma sala o Otto, o Hélio, o Fernando e o Paulo, eu fico com ciúme do Fernando, do Paulo e do Hélio, porque eles conheceram Otto quando Otto era quase um menino e queria ser romancista maldito. Otto não é um romancista maldito; escreve bem, mas torturado por uma série de imagens que não correspondem à sua limpidez espiritual; faz força para não ser edificante; Saint-Exupéry ficaria muito triste se soubesse disso.
Domingo às seis da tarde o Otto vai à missa com o Hélio Pellegrino. Nos altares, os santos piscam o olho para o Otto e gritam na direção do Hélio:
– Não analisa não!
O catolicismo convulsivo do Hélio, seu patético otimismo criam uma dúvida cruel no meu espírito. Tenho a impressão de que Deus não merece tanto carinho. Ao passo que Otto é humilde na sua fé; ele no fundo fica encabulado de haver Deus.
Sabeis que o Otto Lara é o melhor papo deste país. E eu acrescento que é ele o brasileiro que melhor fala, no sentido de que, numa conversa informal, articula com extrema clareza e sensacional construção as suas frases. A língua brasileira culta, civilizada, agradável de ouvir e digna de ser copiada é unicamente falada pelo senhor Otto de Oliveira Lara Resende. Creio que o Museu da Imagem e do Som deve gravar a voz dele durante uma longa e provocadora conversa com Hélio Pellegrino.
A voz do Otto é anasalada, gripada, contendo qualquer coisa que lembra a hortelã, motivo pelo qual ele é também capaz de falar francês como o fazem os parisienses bem educados.
Há 11 anos, mais ou menos, Otto possuía um automóvel Austin de chapa 13-20-84. Por algum motivo sem grande importância, o diabo desse número me ficou na cabeça e ainda cá está, quando já não há Austin e nem o Otto se lembra dele. Otto é um cidadão cercado de Armandos Nogueiras e Nelsons Rodrigues por todos os lados.
Uma das qualidades do Otto é estar sempre disposto a tomar mais um cafezinho. É madrugada, todo mundo já está cansado, a gente declara “Adeus, Otto”, e ele responde: “Pera aí. Vamos tomar um cafezinho”. Ele próprio faz o cafezinho, aliás delicioso, e a conversa prossegue. Três horas depois, estaremos todos firmes ao lado do Otto, de pé no Bar Bico, Copacabana, Posto 6. Tomando cafezinho.