Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p.546. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 9/04/1921 e, posteriormente, no livro Coisas do reino de Jambon. São Paulo, Brasiliense, 1956, p.86. 

Estamos chegando à época parlamentar a que se chama pomposamente de reconhecimento dos poderes que o povo, mediante eleição, delega aos seus representantes no Congresso.

Sempre foi uma época cômica, desde que leio jornais. Um milheiro de cidadãos se julga legitimamente escolhido pelos humildes eleitores deste vasto país, como diz a canção, mas não ficam nisso e apelam para os pistolões políticos. Antigamente, o maior deles era o general Pinheiro Machado. Ele fazia e desfazia deputados e senadores, mesmo contra a vontade dos presidentes da República. Houve disso bastos exemplos; e não sei por que não se lembraram de dar-lhe uma função muito republicana e democrática de nomear, por sua livre vontade, os representantes do país. Seria mais rápido e menos dispendioso, porquanto uma eleição geral custa um dinheirão aos cofres públicos. Mas, o nosso regímen é feito de ficções, e a eleição é uma delas. Agora, a história fica mais fina, porque não há um único Pinheiro Machado; há muitos.

Têm, portanto, os candidatos que se empistolarem com uma chusma deles que não se veem com bons olhos. Admiro — e é o caso — a coragem de um sujeito que pretende ser reconhecido deputado ou senador. Pedir a um é fácil; mas pedir a muitos é tarefa gigantesca.

Disse, porém, o meu amigo Costa Rego que, atualmente, o reconhecimento, em virtude de uma nova lei, é coisa séria. Não duvido dos conhecimentos do simpático jornalista, do seu saber em coisas tão sérias como são as leis. Peço, contudo, licença para discordar. E o motivo é bem simples.

Tínhamos a Constituição do império e a carne-seca custando o quilo — não sei bem — duzentos réis; temos a da república, muito nova diante da imperial, e a mesma quantidade de carne-seca custa três mil-réis e mais.

Parece um argumento de dona de casa, mas é intuitivo e fica ao alcance de todos.

De resto, as novidades só ficam melhores do que as antiguidades após ficarem velharias.

Da república, quando alguém lhe acusa os erros e as faltas, os seus defensores alegam a novidade do regímen e que precisa da experiência dos anos para mostrar as suas excelências.

O decurso dos anos é necessário para dar qualidades e primores a tudo neste mundo. É da sabedoria de todos. Por isso, julgo que a novidade da lei eleitoral só servirá para tornar mais cômico o futuro reconhecimento de poderes.

Digo isso sem nenhuma malícia, porquanto sei que Costa Rego é candidato e tenho na melhor conta os seus apreciados méritos.

Fico, portanto, muito filosoficamente, aqui do meu canto, à espera dele, do reconhecimento, para rir-me das decepções e das surpresas que ele vai determinar.

Quem viver verá e dirá se tenho ou não razão.

lima-barreto