Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. I, p.127. Publicada, originalmente, no jornal Correio da Noite, de 22/12/1914 e, posteriormente, no livro Coisas do reino de Jambon. Brasiliense, 1956, p.76.

Há pequenas mentirinhas que, por serem muito repetidas, tomam o aspecto de grandes verdades.

Os apologistas da guerra costumam divinizá-la por ser uma manifestação de energia. Grande coisa! O raio também é uma manifestação de energia, e os caboclos, ao que dizem os cronistas, tinham-no por Deus.

A questão não está em saber se é ou não manifestação de energia; a questão é saber se é ou não útil.

Não há industrial que, querendo movimento, só peça que a energia se transforme em calor. Tudo depende de saber o fim útil a que se destina uma transformação de energia qualquer.

A lógica desses senhores, com a tal história de energia, deve ir ao ponto de admirar o crime, os grandes assassinatos — manifestação de energia; a pirataria — manifestação de energia; Antônio Silvino — manifestação de energia, etc., etc.

Não se podem, para bem raciocinar, prestar a tais consequências da sua ingênua admiração.

Continuam também a dizer que a guerra é um fator do progresso; que a paz é favorável à decadência, senão ao retrocesso.

Nada mais falso; a Idade Média foi uma guerra diária e absolutamente não foi favorável ao processo; e o que houve não foi estimulado pelas classes guerreiras, mas pelos plácidos burgueses das cidades.

Norman Angell, no seu curioso livro A grande ilusão, mostrou com estatística que, a se dar isso, os países adiantados não deviam ser absolutamente a França, a Inglaterra e a própria Alemanha, mas o Haiti, a Venezuela, o Peru, a Colômbia e a Turquia, que sempre andaram em guerras permanentes nestes últimos quarenta anos.

A Alemanha foi a que menos campanhas sustentou e foi justamente aquele país que mais prosperou.

Estão vendo os senhores como os apologistas da guerra, à von Bernhardi, claudicam infantilmente e como são pueris os seus argumentos.

Todos estão a ver que a energia que se despende numa guerra imensa e a que se gasta na paz, em exércitos e esquadras, bem podia ter outra aplicação mais útil aos nossos destinos; mas, para que tal se dê, é preciso uma reforma total nos sentimentos e nas ideias, e tal coisa só se obterá lentamente.

O que, porém, desde já se pode obter é a diminuição da Alemanha. Ela era o campeão da guerra, e a oligarquia plutocrata que a dirigia ainda se supunha na época romana, em que a guerra era industrial.

Por falar em romanos, imagino as gargalhadas que Júlio César não dará no inferno, quando tiver notícia que um bárbaro germano se enfeita com o seu nome. Kaiser! Ora! Por momentos, deixará de ter aquele olhar de abutre, de que fala Dante.

lima-barreto