Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. I, p.208. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 16/10/1920 e, posteriormente, no livro Vida urbana, Brasiliense, 1956., p.238. 

– Não sei por quê aquele diabo de gatuno cismou em me furtar.

– A ti?

– Sim; a mim.

– Como foi isto?

– Conto-te. Eu morava num quarto pobre, na Rua de São Pedro. Era uma espécie de sepultura, e eu só ia lá para dormir. Mais da metade do dia, passava eu na rua a perambular. Certa noite, recolhi-me mais cedo e deitei-me no meu catre com muito sono. Aí pelas tantas, despertei e vi que tinha um companheiro no quarto. Quem seria? Não tive dúvidas! Agarrei um enorme “Nagant” que não sei onde arranjara e ameacei o intruso.

– Ele resistiu?

– Não. Rendeu-se logo, prendi-o e acompanhei-o para entregá-lo à polícia.

– Para quê?

– Ouve. Saímos e, no caminho, pus-me a conversar com o rapaz. Gostei dele. Ao passar por um café, ele me convidou para entrar e tomar alguma cousa. Aceitei. Dentro em pouco, eu me esquecia que tinha diante de mim um sujeito que me queria roubar. Quando nos despedimos, ele me perguntou: “Estás sem dinheiro?”. Respondi-lhe: “Estou”. Sabes o que ele fez?

– Não.

– Passou-me uma prata de dois mil-réis. 

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