Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. I, p.212. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 26/06/1915 e, posteriormente, no livro Vida urbana, Brasiliense, 1956, p.101.

Como todo o Rio de Janeiro sabe, o seu centro social foi deslocado da Rua do Ouvidor para a Avenida e, nesta, ele fica exatamente no ponto dos bondes da Jardim Botânico.

Lá se reúne tudo o que há de mais curioso na cidade. São as damas elegantes, os moços bonitos, os namoradores, os amantes, os badauds, os camelots e os sem-esperança.

Acrescem, para dar animação ao local, as cervejarias que há por lá, e um enorme hotel que diz comportar não sei quantos milheiros de hóspedes.

Nele moram vários parlamentares, alguns conhecidos e muitos desconhecidos. Entre aqueles está um famoso pela virulência dos seus ataques, pela sua barba nazarena, pelo seu pince-nez e, agora, pelo luxuoso automóvel, um dos mais chics da cidade.

Há cerca de quatro meses, um observador que lá se postasse, veria com espanto o ajuntamento que causava a entrada e a saída desse parlamentar. De toda a parte, corria gente a falar com ele, a abraçá-lo, a fazer-lhe festas. Eram homens de todas as condições, de todas as roupas, de todas as raças. Vinham os encartolados, os abrilhantados, e também os pobres, os malvestidos, os necessitados de emprego.

Certa vez a aglomeração de povo foi tal que o guarda-civil de ronda compareceu, mas logo afastou-se, dizendo:

– É o nosso homem.

Bem; isto é história antiga. Vejamos agora a moderna. Atualmente, o mesmo observador que lá parar, a fim de guardar fisionomias belas ou feias, alegres ou tristes, e registrar gestos e atitudes, fica surpreendido com a estranha diferença que há com aspecto da chegada do mesmo deputado. Chega o seu automóvel, um automóvel de muitos contos de réis, iluminado eletricamente, motorista de fardeta, todo o veículo reluzente e orgulhoso. O homem salta. Para um pouco, olha desconfiado para um lado e para outro, levanta a cabeça para equilibrar o pince-nez no nariz e segue para a escusa entrada do hotel.

Ninguém lhe fala, ninguém lhe pede nada, ninguém o abraça – por quê? Por que não mais aquele ajuntamento, aquele fervedouro de gente de há quatro meses passados?

Se ele sai e põe-se no passeio à espera do seu rico automóvel, fica isolado, sem um admirador ao lado, sem um correligionário, sem um assecla sequer. Por quê? Não sabemos, mas talvez o guarda-civil pudesse dizer:

– Ele não é mais o nosso homem. 

lima-barreto