Uma surpresa da Exposição

 

Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p.574. Publicada, originalmnete, na revista Careta, de 11/11/1922 e, posteriormente, no livro Coisas do reino de Jambon. Brasiliense, 1956, p.192. 

O que, à primeira vista, fere o observador desinteressado neste mês e tanto de “Exposição Internacional” é que esta se vai tornando discursiva, esportiva e congressional.

Não há dia em que não haja a inauguração de um congresso disto ou daquilo; não há dia em que não haja uma partida desse ou daquele jogo, referente a ela, embora não se realize dentro do seu recinto; e não há dia em que não haja uma série de discursos a propósito de um banquete, ou quer que seja, motivado pelo grande certâmen comemorativo do centenário da Independência do Brasil.

A quantidade de discursos causa-me pasmo, porque, em geral, eles são pronunciados por pessoas graves e entendidas em cousas econômicas, comerciais e outras que tais. Contudo não deixo de confessar que a disputa entre os jogadores de football uruguaios e a Conferência Esportiva Nacional provocou-me um certo susto.

Sabem por quê? Porque eu lia as proezas de Mustafá Kemal Paxá e a sua estrondosa vitória sobre os gregos. Os entendidos em cousas internacionais diziam-me:

— Daí pode vir uma nova grande guerra, porque a questão da Trácia...

Ora, disse eu cá comigo, quem sabe se dessa questão dos players uruguaios não é possível gerar-se uma conflagração sul-americana? Entram paraguaios, uruguaios, brasileiros e...

Voltemos, porém, ao assunto, que são os discursos “expositivos”.

Em todo o mundo ocidental, como diria um comtista, há um grande amor ao discurso. O velho Demóstenes, o tal grande orador de Atenas, tem o seu nome popularizado em toda parte; Cícero, também Mirabeau, Castellar, Gambetta e outros são conhecidos até pelos iletrados. Aqui, entre nós, o Rui Barbosa é mais popular como orador do que por outra qualquer cousa. Não se diga que só somos nós latinos, como se diz, que amamos a oratória. Lloyd George, que é inglês, e da gema, não chega em qualquer parte que não deite o seu discursinho de sustância para ser discutido no mundo inteiro.

Mas esses senhores todos são políticos; e só os políticos turcos, chineses e persas, ao que parece, não deitam o verbo. Se não fazem aqueles a felicidade dos povos, fazem, pelo menos, discursos. Até Lenin não escapa...

Admira, porém, é que senhores sisudos e práticos que aqui aportam, para mostrar os excelentes produtos de suas terras, sigam as pegadas deles. É isto o que está acontecendo na atual “exposição”. Inaugurou-se um “pavilhão”, lá vai discurso; e assim por diante.

Quem está saindo — os senhores devem ter notado — um orador de truz é o senhor Carlos Sampaio. Não há dia em que ele não pronuncie, no mínimo, quatro. Seja num “pavilhão”, seja num almoço bucólico na Tijuca, Sua Excelência está sempre disposto a falar e fala. É a maior surpresa da “exposição”.

lima-barreto