Fonte: coluna "Jornal de Antônio Maria", Última Hora, de 22/02/1961.
O senhor gordo, de ar próspero, pede ao vendedor de flores que lhe escolha 12 rosas por abrir. Recomenda, depois, que sejam amarelas, mas concordou que fossem vermelhas, já que não havia das amarelas. As rosas foram escolhidas, uma a uma, cheiradas uma por uma e colocadas sobre uma folha de papel transparente. O senhor gordo puxou do bolso um cartão, dobrou-o em uma das extremidades e pediu, com um olhar, um lugar (discreto) onde pudesse escrever, sem ser visto.
Está sentado, de caneta em punho e olhar perdido. Morde a unha do indicador da mão esquerda. Espera a frase poética. De repente, seus olhos se iluminam os lábios se entreabrem, num sorriso enlevado. “É a inspiração que deve ter chegado” ― ... penso, do meu canto. O homem começa a escrever, mordendo os lábios, como todo bom calígrafo. Para, rasga o que escreveu e procura, em todos os bolsos, outro cartão. Como não encontra, pede novo cartão, da casa. Volta a escrever, mordendo os lábios e para mais uma vez.... Levanta os olhos, a caneta no ar. Olha as prateleiras de flores, o homem do balcão e olha para mim, afinal, com certa alegria. Depois, caminha em direção à porta, onde estou e onde tenho absoluta certeza de que serei abordado. Caneta na mão direita, cartão na esquerda. Sorri, o sorriso sem graça de quem precisa, mas odeia precisar. Penso que terei de lhe fornecer uma frase e na minha terrível dificuldade de fazer frases. Vem andando, com a caneta, o cartão e o sorriso. Bem perto, o mesmo sorriso, pergunta se sou quem ele está pensando. Respondo-lhe que sim e penso em quanto gostaria de não ser. Baixa a voz e pede, então, o socorro:
― Como é mesmo que se escreve “exímia”?
Adivinho-lhe o local da dúvida e respondo, prontamente:
― Com “x” mesmo. Olhou-me espantado. Agradeceu. Depois, achou que se devia justificar:
― É para uma bailarina.
Sorri-lhe. Saí andando, para minha vida. Mas, não me pude impedir de pensar que, horas depois, Marlene Rosário estaria recebendo mais 12 botões de rosas, com um cartão de ponta virada, onde leria sem muitas emoções: “À exímia bailarina, o seu mais ardoroso admirador”.