Fonte: A descoberta do mundo, Nova Fronteira, 1984, pp. 109-110. Publicada, originalmente, no Jornal do Brasil, de 23/03/1968 e, posteriormente, no livro Todas as crônicas, 2018, pp. 85-86.
Oh, Chico Buarque, pois não é que recebi uma carta de uma cidade do Rio Grande do Sul, Santa Maria, a respeito de você e de mim? É o seguinte: a moça me lê num jornal de Porto Alegre. E, muito jovem, diz que sente grande afinidade comigo, que eu escrevo exatamente como ela sente. Mas que sua maior afinidade comigo vem do fato de eu ter escrito sobre você, Chico. Diz: "Eu, como você, tenho uma inclinação enorme por ele. Achava eu que esta inclinação (que é motivo de troça de meus amigos) era um pouco de infantilismo meu, talvez uma regressão à infância, mas lendo seus bilhetes descobri que não, que a razão é justamente conforme suas palavras: ser ele altamente gostável e possuir candura. Você também tem candura, que se percebe ao ler uma só linha sua." Ela, Chico, não entendeu que você não é meu ídolo; eu não tenho ídolos. Você para mim é um rapaz de ouro, cheio de talento e bondade. Inclusive fico simplesmente feliz em ouvir quinhentas vezes em seguida "A banda", e um dia desse dancei com um de meus filhos. Mas é só, meu caro amigo. E ela continua assim: "Para mim seria maravilhoso ter um encontro com você e o Chico. Por isto peço-lhe: se um dia ele aparecer na sua casa, convide-me ― mesmo eu morando longe. Pois se eu e você nos sentimos inclinadas por ele, e eu e ele por você, talvez desse certo." Mas, oi, Chico, você já imaginou eu passando um telegrama para Santa Maria: "Venha urgente Chico vem amanhã casa minha." Ela tomando o avião e vindo toda alvoroçada, e você sorrindo, sorrindo. Olhe, moça simpática, sua carta é um amor, e tenho certeza de que Chico ia gostar de você, é impossível não. Pois se Chico tem candura, e você acha que também tenho, você, minha amiguinha, é mil vezes mais cândida do que nós. Mando-lhe um beijo e tenho certeza de que Chico lhe manda outro beijo ― não, não desmaie. Vou lhe contar um segredo a propósito de beijo. Numa quarta-feira, às 11 e 30 da noite, dei um beijo hippy em cada face de Chico Buarque, nas dimensões de 7x4 centímetros, com batom cor de carmim. Trata-se de uma explicação para meu amigo Xico Buark dar em casa.