Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 5/08/1968.

O coração tem razões que a própria razão desconhece. No coração (assim se convencionou) é que pulsam as paixões. O amor, o ódio, a nostalgia, a fé.

Abro o peito de um homem e nele coloco o coração de uma mulher. O corpo humano tende a rejeitar tudo aquilo que lhe é estranho. E, no entanto, o coração feminino trabalha dentro do peito masculino. Se a morte sobrevém, é por outro motivo. A vida ganhou o primeiro round.

As sociedades também discriminam e rejeitam. Sou um branco sul-africano, você é um negro sul-africano, logo, sou mais sul-africano do que você.

Pois sim!

No peito de Philip Blaiberg está batendo o coração de Clive Haupt. Um coração mulato trabalhando a serviço da vida que se extinguiria no corpo de um judeu. Isto, na África do Sul, coração mundial do racismo.

O mais bonito em tudo isso foi a expectativa metafísica — digamos assim que Philip Blaiberg se entregou. No Hospital Groote Schuur, sabendo estar em pandarecos o seu próprio coração, ele acalentava uma única pergunta:

— Quem morrerá por mim?

Morrerá aquele que a morte tenha assinalado de modo iniludível. Aqui não se procura a imortalidade; ao dr. Christiaan Barnard cabe lutar para corrigir uma injustiça. Essa injustiça é a nossa imensa ignorância.

A natureza e a ciência, desta forma, uniram-se para destruir os argumentos dos obscurantistas. Hoje já se pode falar de inteligências mais irracionais do que o próprio corpo humano. Ficou um pouco mais fácil meditar sobre o mundo. O coração tem razões... que a própria razão desconhece. Quer dizer: a razão é burra!

Agora ela ficou um pouquinho mais sabida.

Somos todos iguais. Como diria o Papa, eis uma utopia que só é utopia por causa da burrice humana. Burrice, quer dizer: intolerância, usura, inveja, ódio, fanatismo. Tudo aquilo que impele a vida a lutar em favor da morte. Cada coração que se recusa a trabalhar em uníssono com todos os demais corações.

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