Fonte: Manchete, de 31/12/1960.

Do meu ponto de vista estritamente pessoal, creio que a editora de Sabino, Braga e Acosta nasceu do concurso permanente que existia há muitos anos na revista Carioca: O leitor que escrevesse cada semana a melhor crônica sobre rádio ganharia cem mil réis, cinquenta para o segundo colocado, 25 para o terceiro (o melhor cigarro naquele tempo custava um mil réis). Pois bem: todas as semanas o mesmo leitor abiscoitava sempre o primeiro prêmio  – "Pum! Ganhou cem mil réis". Quem ganhava cem mil réis todas as semanas era um menino de 12 anos, que morava em Belo Horizonte, bom nadador, locutor da Rádio Mineira, um menino, enfim, cheio de truques. Seu nome era Fernando Tavares Sabino; hoje é apenas Fernando Sabino.

Acho que nessa época se enraíza a Editora do Autor: Sabino, ainda tenro, acostumou-se a relacionar literatura e dinheiro, e jamais perdeu esse hábito salutar. Seu amigo de tantos anos, sempre o vi preocupado com a melhoria de pagamento, direitos autorais, e todos os pormenores, que defendem praticamente o ofício de escrever. Ele faz jornalismo e literatura: em ambas as atividades, foi sempre um exaltado batalhador da causa profissional. 

Ultimamente, deu-lhe na telha que os dez por cento sobre preço de capa, que os editores cedem tradicionalmente aos autores, não compensavam em geral a pena de escrever um livro. Seu irmão Gerson lhe falou dum advogado que imprimira e distribuíra por conta própria um livro técnico, ganhando bastante dinheiro. Fernando procurou o advogado, foi conversar depois com um colega e, em poucos dias, estava formado o novo trio editorial: Sabino, Acosta e Braga. Ao primeiro tocou a parte propriamente editorial da firma; ao segundo, a gerência financeira; ao terceiro, promoções e relações públicas. Os quatro livros agora publicados deveriam constituir o primeiro lançamento, simultâneo, da editora. O Braga, no entanto, conhecendo Jean-Paul Sartre na Bahia, pediu-lhe prioridade para a edição de Furacão sobre Cuba. Numa semana o livro foi traduzido, impresso e lançado, com a presença do próprio Sartre. A tiragem inicial, vendida rapidamente, deu para montar um escritório e respirar. Os três editores do autor mandaram a bola para a frente.  

A primeira iniciativa do chefe das relações públicas foi embarcar a jato para a doce França. O que foi fazer o Braga em Paris é mistério, mesmo para os outros dois sócios. Soube que foi visto nas terraces de Saint-Germain, nos castelos de Borgonha, não existindo nenhuma informação de que haja visitado qualquer organização relacionada à indústria gráfica. O Sabino ficou aqui telefonando, cercando o Vinicius, discutindo o preço do papel, fazendo por si mesmo um intensivo curso de composição tipográfica, correndo do escritório às oficinas de Benfica, de Benfica à casa dos editados, falando pelos cotovelos uma terminologia nova, cheia de bodonis, capitulares, garamonds, versaletes, romanos, cíceros, perangonar etc.

De tal maneira se entregava à tarefa, que um dia lhe cresceram as barbas: tive um acesso de riso quando o vi entrar pela minha casa barbudo como um herói de Sierra Maestra. O fato é que o romancista transformou-se em editor num tempo recorde. Além da prática na oficina, deu para procurar conhecidos editores desta praça, extraindo-lhes sem piedade, os segredos do comércio editorial e livreiro. Um dia, almoçando com Jorge Zahar e Ênio Silveira, disse-me este último: "O Sabino é implacável; ele arrancou em dez dias o que eu aprendi em dez anos."

O Braga voltou de Paris, arregaçou também as mangas, os livros ficaram prontos, o lançamento foi anunciado. Quatro autores tímidos chegaram à conclusão de que a publicidade era necessária. Só que ninguém desejava fazê-la, um empurrando o outro às iniciativas promocionais. Uma noite, de revólver moral em punho, Fernando obrigou a Vinicius e a mim de comparecer a um programa de televisão: ao meio de perguntas gratuitas, deveríamos transmitir o nosso comercialzinho, contando que os quatro autores estariam na segunda-feira no Marimbás, às horas tantas, franca sendo a entrada etc. Eu disse que só iria se o Vinicius fosse; o Vinicius disse que só iria se eu fosse. Quando, a fim de evitar defecções, marcamos um encontro prévio no Bar Zeppelin, o Braga botou a mão na cabeça: "Xi, já vi tudo." Para desmenti-lo, chegamos pontualmente na Urca e enfrentamos as perguntas do Jacinto de Thormes. Quando já estava em casa, o Fernando me telefonou: "Vocês são mesmo dois débeis mentais." Tínhamos esquecido do "comercial".

Uma das preocupações do Braga era vestir o Vinicius para a noite do Marimbás, temeroso que o poeta surgisse aos olhos do seu público com blusão esportivo demais. "Quero todo mundo de paletó e gravata" – dizia. O temor do Sabino era sobrevir uma crise de tédio ao Braga na hora H. O medo de Vinicius e meu era difuso e depressivo. Quando estivemos no clube pouco antes da festa, o poeta resmungou sorrindo: "Eu acabo mesmo é voltando a editar os meus livros com os dez por cento de sempre." Fernando dispôs as mesas e os balcões, Rubem Braga ficou encarregado do departamento de líquidos, tudo saiu certo. Às nove horas da noite, o Marimbás estava cheio de gente, alegrando sobretudo o Borsoi, impressor dos volumes, que aceitara o trabalho naquela base dos papagaios. Aquele povo todo comprando livros era a sua mais sólida esperança de pagamento em dia.

Aqui da casa, de Manchete, só faltou o Henrique Pongetti, que edita seus livros na firma de seu irmão. Apesar dessa ausência, outra pessoa contente com o movimento era Adolpho Bloch. E quando o Murilo Melo Filho disse para ele que nós tínhamos descoberto o ovo de Colombo, a fim de vender livros, Adolpho replicou: "Não, eles descobriram foi o trabalho." Esta tese irônica me parece correta: a gente trabalha, e muito, escrevendo livros, mas, sem um certo esforço braçal, a venda é incerta.

Escrever é um gesto solitário, vender é um gesto público. Esta contradição explica a fadiga que tomou conta de nós quatro na noite de autógrafos; enquanto os amigos nos davam os parabéns pelo sucesso da festa, tínhamos um ar pálido de derrota. A gente editar a gente (a expressão é de Stanislaw Ponte Preta) é bom, porque se ganha um pouco mais de dinheirinho. Entretanto, a gente vender os livros da gente é um sacrifício. De qualquer modo, fecharemos os nossos olhos, e iremos vender livros em Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém do Pará. Fernando é quem manda. 

A pena verdadeiramente grande é não ser possível levar conosco as nossas lindas vendeuses: Tônia Carrero, Lourdes de Oliveira, Edla van Steen e Elizete Cardoso. Sem elas, temo, com sérios motivos, pelo nosso prestígio. 

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