Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p.460. Publicada, originalmente, na revista Careta, de 26/11/1921 e, posteriormente, no livro Marginália, Brasiliense, 1956, p. 35.
Escrevo esta no dia seguinte ao do aniversário da proclamação da república. Não fui à cidade e deixei-me ficar pelos arredores da casa em que moro, num subúrbio distante. Não ouvi nem sequer as salvas da pragmática; e, hoje, nem sequer li a notícia das festas comemorativas que se realizaram. Entretanto, li com tristeza a notícia da morte da princesa Isabel. Embora eu não a julgue com o entusiasmo de panegírico dos jornais, não posso deixar de confessar que simpatizo com essa eminente senhora.
Veio, entretanto, vontade de lembrar-me o estado atual do Brasil, depois de trinta e dois anos de república. Isso me acudiu porque topei com as palavras de compaixão do senhor Ciro de Azevedo pelo estado de miséria em que se acha o grosso da população do antigo Império Austríaco. Eu me comovi com a exposição do doutor Ciro, mas me lembrei ao mesmo tempo do aspecto da Favela, do Salgueiro e outras passagens pitorescas desta cidade.
Em seguida, lembrei-me de que o eminente senhor prefeito quer cinco mil contos para a reconstrução da Avenida Beira-Mar, recentemente esborrachada pelo mar.
Vi em tudo isso a república; e não sei por quê, mas vi.
Não será, pensei de mim para mim, que a república é o regímen da fachada, da ostentação, do falso brilho e luxo de parvenu, tendo como repoussoir a miséria geral? Não posso provar e não seria capaz de fazê-lo.
Saí pelas ruas do meu subúrbio longínquo a ler as folhas diárias. Lia-as, conforme o gosto antigo e roceiro, numa “venda” de que minha família é freguesa.
Quase todas elas estavam cheias de artigos e tópicos, tratando das candidaturas presidenciais. Afora o capítulo descomposturas, o mais importante era o de falsidade.
Não se discutia uma questão econômica ou política; mas um título do Código Penal.
Pois é possível que, para a escolha do chefe de uma nação, o mais importante objeto de discussão seja esse?
Voltei melancolicamente para almoçar, em casa, pensando, cá com os meus botões, como devia qualificar perfeitamente a república.
Entretanto – eu o sei bem – o 15 de Novembro é uma data gloriosa, nos fastos da nossa história, marcando um grande passo na evolução política do país.