Fonte: Toda crônica.  Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p.534. Publicada, originalmente, no periódico Hoje, de 22/07/1922 e, posteriormente, no livro Marginália,  Brasiliense, 1956, p. 58.

Nunca me meti em política, isto é, o que se chama política no Brasil. Para mim a política, conforme Bossuet, tem por fim tornar a vida cômoda e os povos felizes. Desde menino, pobre e oprimido, que vejo a “política” do Brasil ser justamente o contrário. Ela tende para tornar a vida incômoda e os povos infelizes. Todas as medidas de que os políticos lançam mão são nesse intuito.

Os prefeitos, por exemplo, desta nossa leal e heróica cidade do Rio de Janeiro, são atualmente piores que os almotacés do conde de Resende. Estes tinham direito a certo número de línguas e “mãos de vaca” das reses abatidas no matadouro; os edis de hoje mandam construir hotéis de oito mil contos, para... hospedar estrangeiros. De forma que, no tempo de el-rei nosso senhor, as autoridades municipais se encarregavam do bem-estar do seu povo, como se dizia antigamente; hoje, porém, com a nossa democracia, essas mesmas autoridades se encarregam do bem-estar dos ricaços displicentes que vêm a passeio, cheios de dinheiro, ver bobagens de uma “exposição” de aterrado.

Por estas e outras eu sou completamente avesso a negócios de política, porque não acredito nela e muito menos nos políticos.

Ultimamente, entre nós houve uma barulheira política que quase sacudiu o país.

Pus-me de parte e tive razão. Não havia nessa agitação nada de ideal, de superior. Só admito que se morra em matéria de política quando se o faça por uma ideia que interesse um grande grupo humano. No caso não havia isto e eu, aqui e ali, levei-o de troça. E outra atitude ele não merecia. Não sei os pródromos de semelhante barulheira, mas eles devem ser muito baixos e vagabundos.

A verdade, porém, é que o observador imparcial logo concluiu que nenhum dos grupos que se digladiavam falava a verdade.

A questão versava sobre uma falsificação de cartas, atribuídas ao senhor Artur Bernardes, atualmente eleito presidente da República. Tais cartas continham insultos ao Exército e os adversários do Senhor Bernardes excitaram os brios da força armada contra ele, baseados nas referidas missivas.

O intuito dos opositores à candidatura do senhor Bernardes era mover o Exército contra esta, vetá-la e, caso fosse possível, impedir a posse do mesmo senhor pela força.

Havia nisto um apelo declarado ao que se chama nas repúblicas espanholas “o pronunciamento”. Toda a gente sabe que isso tem sido um flagelo, tanto para elas como para nós. O dever nosso é evitá-lo de qualquer forma. Qualquer modalidade de hipocrisia política, de que se revista o provimento deste ou daquele cargo de eleição, é melhor do que o assassinato e a violência.

Penso assim porque estou convencido de que, seja Paulo, Sancho ou Martinho que governe, esta vida será sempre uma miséria.

Seria capaz de deixar-me matar para implantar aqui o regímen maximalista; mas a favor de Fagundes ou de Brederodes não dou um pingo do meu sangue.

Tenho para mim que se deve experimentar uma “tábua rasa” no regímen social e político que nos governa; mas mudar só de nomes de governantes nada adianta para a felicidade de todos nós.

Demais, há tanta incoerência nesses políticos que nos azucrinam os ouvidos com velhos tropos quando querem satisfazer as suas ambições, que vimos, nos últimos acontecimentos, sujeitos que, não há muitos anos, se insurgiram contra a intromissão, a pressão dos militares nas causas políticas, apelarem para eles, para a sua força e o seu prestígio, a fim de tornar vencedora a própria causa.

Vimos em que deu a coisa. Ao menor sopro de “mazorca” foram todos pelos ares e eles todos debandaram, escafederam-se, deixando o chefe sozinho.

Que este fique só, não há mal nenhum. Ele é rico ou enriquecido e pode aguentar o repuxo; mas povo não deve ir atrás dessa gente.

Os pobres-diabos que se apaixonam por essas especulações de políticos é que levam o “chanfalho” da polícia e sofrem perseguições.

São causas que nós, humildes, não devemos esposar, porque elas não representam nenhum ideal elevado, nem nada de sincero e de sério.

lima-barreto