Fonte: Um cartão de Paris. Seleção e organização de Domício Proença Filho, Record, 1997, pp. 128-129. Publicada, originalmente, em O Estado de S. Paulo, de 21/12/1990.

Somos quatro homens vadios, e passamos mais de uma hora, no quintal de um hotel de Maricá, assistindo aos folguedos de um papagaio, um gato e um cachorro, todos soltos, que brincavam de brigar na maior camaradagem.

O gatinho, usando de mil astúcias, armava um salto sobre o papagaio, que tirava o corpo com uma insuspeitável agilidade e revidava com uma bicada. Depois o papagaio subiu a um caixote e então foi a vez do cachorrinho vir atormentá-lo, latindo e saltando. O papagaio defendia-se com uma pata e com o bico, até que, depois de uma finta brilhante, conseguiu dar uma bicada na língua do cachorro. Um cachorro grande se interpunha de vez em quando nessas brigas, com um ar protetor de pessoa maior que está gostando das brincadeiras dos menores mas quer evitar com a sua presença que haja excessos. O município de Maricá pode dar ao mundo, estejam certos, as melhores lições de coexistência pacífica.

Na praça sonolenta do sábado de sol fui visitar a grande igreja de Nossa Senhora do Amparo, toda branca e dourada no interior, tão bonita; depois fiquei pasmando à sombra das árvores imensas, vendo uns homens a jogar pião. Do grupo escolar vinham vozes de crianças, e o vento era fresquinho e bom. De repente um ruído alto e estranho: era o alto-falante da igreja que anunciava alguma coisa. O alto-falante é a grande praga do interior, seja político, religioso ou comercial, e em alguns lugares há um verdadeiro duelo de berros entre a igreja católica e a protestante. Como reclamar, se mesmo no Rio trafegam veículos com alto-falantes a berrar?

Estão vendo? Fiquei irritado com essa história de alto-falantes e me esqueci da paz, da sombra e do ventinho meigo de Santa Maria de Maricá.

rubem-braga