Dois Rubem Braga erguem um brinde à compreensão entre os homens

 

Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 6/01/1970.

Rubem Braga cuidava de sua horta aérea, em Ipanema, quando o chamaram para atender a uma visita. O Braga lavou as mãos e se dirigiu à sala. Ia meio preocupado porque não esperava ninguém àquela hora. Pensou “Deve ser algum provinciano, com livro inédito. Vou mandá-lo ao Fernando, na editora, depois volto aos legumes”.

Numa poltrona da sala, grisalho, as sobrancelhas hirsutas, vestido com discrição, estava sentado um segundo Rubem Braga. O Capitão Braga, o velho Braga de Cachoeiro, o cronista de prosa incomparável, saudou cautelosamente o inesperado visitante:

— Boa tarde.

Levantando-se, o braço estendido, o cavaleiro respondeu:

 Boa tarde. O senhor é o Rubem Braga?

— Sou. E o senhor?

— Eu também.

— Prazer - disse o velho Braga, apertando-lhe a mão. Em seguida: Sente-se por favor. Aceita um uísque?

— Aceito - disse o outro, já sentado, de pernas cruzadas

Preparou o Braga duas doses, ofereceu-lhe uma, sentou-se diante do estranho, provou um gole para tomar coragem e, timidamente (estava confuso), indagou: 

— Quer dizer, então, que o senhor é também o Rubem Braga?

— Perfeitamente.

— Quer dizer que somos homônimos? O senhor é meu xará?

— Não.

Assim se iniciou esse diálogo verdadeiro, travado há alguns dias. 

Para não afligir os numerosos amigos do Braga que estejam lendo isto à distância, convém explicar sem tardança o que significa esse encontro. Há mais de 20 anos um sósia do cronista é assinalado nos mais diferentes lugares - quase sempre bares da Zona Sul e, geralmente, embriagado. Na hora de pagar a conta, segundo a lenda, ele apela para a condição de escritor famoso. Comerciantes amedrontados resolvem o problema: se é jornalista, não precisa pagar.

Rubem Braga, o verdadeiro, denunciou certa vez essa situação, obviamente constrangedora, mas nem por isso seu sósia deixou de ser visto nos mais diferentes lugares. Certa ocasião pude surpreendê-lo num estabelecimento bancário, no momento em que, utilizando-se do telefone do gerente, dizia as seguintes palavras a um interlocutor não identificado.

— Alô… é do Jornal do Brasil? Minha filha, aqui é o Rubem Braga. Posso falar com fulano? 

A ligação não se completou. O telefone foi abandonado sobre a mesa e o bêbado se retirou, trôpego, certamente para o botequim mais próximo.

Semanas atrás, o cronista Frederico C. Marques descreveu num semanário o encontro que teve, dentro de um ônibus, com um borracho que fazia a maior algazarra, gritando para quem quisesse e para quem não quisesse ouvir:

— Eu sou o Rubem Braga… O Bloch me mandou fazer uma conferência… Você ia? Se o Bloch mandasse, você ia?

Parece que foi esse artigo que finalmente desencadeou o drama de consciência. O falso resolveu conhecer o verdadeiro, e abriu o jogo. É verdade que, tendo sido diversas vezes confundido com Rubem Braga, adquiriu o hábito (mas só quando muito bêbado) de assumir a falsa identidade que lhe atribuíam. Porém essa história de não pagar as contas, a pretexto de destruir modestos comerciantes através da imprensa, não corresponde à verdade.

Rubem Braga aceitou as explicações: só não gostaria, é claro, que o outro continuasse enganando os ingênuos. O outro prometeu: doravante será ele mesmo, em qualquer circunstância, sejam quais forem as consequências monetárias dessa autenticidade.

jose-carlos-oliveira