Fonte: Caderno B, coluna "O homem e a fábula", Jornal do Brasil, de 11/01/1962.

Examinando velhos papéis, encontro esta anotação: “Aquela que representou tanto na minha vida estava à minha frente, como estranha: unia-nos somente, agora, uma grande ternura pelo que fôramos, e a mais dolorosa hostilidade pelo que nos havíamos tornado”. A frase não está bem trabalhada, mas me devolve, intacto, aquele momento. Eu havia lutado contra os meus sentimentos, por saber que seria impossível recomeçar aquela bela aventura; procurava não estar nos lugares onde ela pudesse aparecer. Um dia, porém, o acaso nos reuniu; olhei-a, e me era indiferente; conversamos com naturalidade; despedimo-nos cordialmente. Não era a mesma; porém o que mais me entristecia era que eu próprio havia mudado — era um homem sólido, sem luz, maduro e atento. Que diferença! Lembrei-me da espontaneidade com que nos havíamos escolhido um ao outro. Olhamo-nos pela primeira vez e, no momento seguinte, mostrei-a a um amigo e perguntei: “Quem é”? Ele disse um nome e eu afirmei: “É minha”.

No dia seguinte, conversamos mais de duas horas ao telefone. Seguiram-se os maravilhosos momentos que representarão para sempre a mais bela época da minha vida. Seus olhos imensos desprendiam estrelas, seu sorriso e sua voz eram tão puros quanto na infância porque eu a amava. Usava sandálias sem alças e eu adorava os seus pés; e era tão harmoniosa a nossa vida que, muitas vezes, passávamos horas e horas examinando os modelos de Marie Claire e Elle: ela me pedia opinião e eu procurava imaginá-la dentro de tal e tal vestido; essa atividade me parecia tão importante quanto as leituras a que na época me entregava, como parte do meu aprendizado literário.

Depois, a dissolução. Quanto sofrimento, lágrimas, cartas de arrependimento, fugas e reencontros — breves e inesquecíveis instantes de trégua e felicidade!

Depois, ainda, a mais triste experiência. Cada qual seguira o seu caminho, e um dia eu a vi ao lado de outro; ouvi sua voz, à distância, sem saber o que estaria dizendo (mas era seguramente algo que deveria estar sendo dito a mim); e uma carícia a mim destinada fez eriçar-se a orelha do outro. Fui-me embora, como num conto sueco, “a meditar sobre a complexidade do Universo”.

E ali estava ela, finalmente, sem o brilho com que meu amor inundara os seus olhos; e eu, sem aquela chama que me queimara o coração. Dois estranhos. Oh, minha querida, quanta saudade de ti — e de mim — e dos peixinhos no aquário, e dos cálices de vodca com biscoitos e anchovas!

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